quarta-feira, 29 de outubro de 2008

VESPA - RIGOR, CHARME E SEDUÇÃO

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2009
É fácil encontrar uma Vespa, com três ou quatro décadas, restaurada e pronta a andar. Bem mais difícil, é dar de caras com uma antiguidade dessas e percebê-la ainda melhor, mais requintada, que o próprio original.

Há, no entanto, quem o ouse e – indiscutivelmente – o consiga. As Vespa que hoje trazemos ao prelo, são veículos do mais puro luxo. Não que tenham diamantes incrustados nas jantes, cabos revestidos a ouro, selins de veludo púrpura, ou comandos em madrepérola assentes numa base de raiz de nogueira. Nada disso. São simples, funcionais, e rejeitam qualquer rococó escusado de altar-mor. Existe, contudo, algo que as distingue das demais, quer em termos estéticos, quer em termos mecânicos. O Sr. Luciano Igreja, minhoto há muito apaixonado pelas Vespa, dedica-se à sua recuperação com esmero e minúcia tais, que se reflectem de forma evidente no resultado final. Das suas mãos, saem veículos que se superam a si próprios quando novos, acabados de sair da fábrica. Estes, porém, saíram da Ciclo Igreja (a sua oficina), sob o olhar omnipresente – quiçá de inveja – da classicíssima Sé de Braga.

O processo de restauro tanto pode partir de sua iniciativa, como por solicitação de clientes. Muitas vezes, o Sr. Luciano, movido pelo fascínio que nutre por estes insectos com motor, compra as motos no mercado de usados (fazendo uso de contactos que tem, ou da internet), e se o modelo lhe agradar não há distância que o detenha. A Vespa laranja (que vemos nas fotos) veio do Ribatejo, onde a encontrou esquecida algures. As mais das vezes, são clientes que lhe aparecem à porta com as Vespa a “cair de podre” para que a sua habilidade e destreza lhes devolvam o ar jovial de outrora. O cliente tipo situa-se na faixa etária acima dos quarenta anos, e fará desta moto um uso tipicamente recreativo, pese embora muito ocasional. São, maioritariamente, pessoas que cresceram com as Vespa por perto, tendo, inclusivamente, sido proprietárias de alguma numa qualquer fase da vida, e agora, com maior disponibilidade financeira, entregam-se a este pequeno luxo de pagar por um elixir da eterna juventude estética e mecânica.

A cadência dos trabalhos é aquela que os recursos impõem. O Sr. Luciano está a restaurar, em média, uma Vespa por mês. Este trabalho é absolutamente meticuloso, e quando feito por mãos experientes e dedicadas – como as suas – o resultado salta à vista. «Comecei a reparar e a recuperar as Vespa, as Sachs, as Lambretta, as Casal, e outras, vai para mais de 40 anos», esclarece. «Sei de cor todas as peças do motor», acrescenta. De todas, a sua predilecção recai mesmo sobre as Vespa, como nos explica: «A Vespa é mais suave, tem melhor condução e menos atritos dinâmicos e mecânicos». Sobre o inflacionamento no preço dos modelos vintage, a sua justificação é, também, assertiva e lógica: «Trata-se de uma moto mítica. Por onde quer que passe chama a atenção, pois o design não sai de moda. Depois, são muito resistentes e fiáveis.».

Desde componentes internos do motor, até aos parafusos mais pequenos, tudo é substituído. «Do velho se faz novo», sublinha. O propósito é o de, no primeiro caso, eliminar ou prevenir avarias, e, no segundo caso, de realçar a estética do veículo. Por exemplo, os parafusos e porcas de ferro originais, são sempre substituídos por equivalentes em aço inoxidável com acabamento cromado. Como nos descreve: «o chassis vai ao jacto de areia, para que com a tinta fora, seja possível encontrar os podres. Caso assim não fosse, por debaixo da tinta velha o material continuaria deteriorado, e passados alguns anos seria necessário intervir outra vez na moto. Depois segue para o chapeiro, para então regressar ao jacto de areia, e só no fim intervém o pintor. E, claro, não se faz pintura a pincel, como muitas vezes se vê», elucida. Na mecânica, o motor é todo revisto com componentes novos (pistão, biela, cruzeta das velocidades, rolamentos, vedantes, juntas, discos de embraiagem, etc.), veios de suspensão, amortecedores e cabos são igualmente substituídos, independentemente do seu estado. Em suma, e como adianta: «As peças de desgaste são todas trocadas. Só assim posso dar dois anos de garantia global pelo restauro».

As peças provêem maioritariamente de fornecedores originais Vespa, mas há casos mais específicos onde o abastecimento é feito junto de agentes com peças testadas e compatíveis. O investimento em stock é, actualmente, de cerca de 250 mil euros. Tudo em prol de respostas rápidas e eficazes aos seus clientes.

Em termos mecânicos, o restauro é sempre fiel ao original. Não há tentativas de alterar esta ou aquela prestação. Contudo, no que respeita à estética, as considerações são diferentes, como avança: «Gosto de as pôr superiores ao que eram. Por exemplo, as tampas de motor são todas polidas e cromadas. Nenhuma moto era assim de origem…as tampas era pintadas…mas cromadas causam logo outro impacto…».

Prémios conquistados vão sendo alguns, tanto em motos suas como de clientes. Mas esta não é uma condição estratégica da sua actividade. Prefere empenhar-se na qualidade, recatadamente, afastado que está (por opção) dos grandes eventos do sector. No entanto, à entrada do exíguo escritório, está, bem visível, o troféu de melhor restauro conquistado no II Encontro de Barcelos, em 14-08-2005, organizado pelo Vespa Clube do Minho.

Quando lhe perguntámos se as Vespa algumas vez o desiludiram, a resposta foi disparada a direito, desvendando planos para o futuro: «Sim, a partir da década de noventa. É só plástico…O gozo está em trabalhar e conduzir estas. Por isso, até já tenho um projecto para fazer um side-car numa que estou agora a recuperar».

Quanto a valores, estes restauros nunca ficarão por menos de três mil euros. Para mais e não para menos. Tudo depende do modelo e ano da moto, bem como da sua condição presente. Casos mais complicados (que também os há) poderão ascender aos seis mil e quinhentos euros. Mas, nestas coisas, como noutras da vida, quando as coisas se fazem com gosto, o preço é o que menos importa. Neste caso, junta-se o gosto de quem as tem ao de quem as restaura, e o assunto está resolvido.
Em jeito de alerta, para quem não esteja familiarizado com os restauros das Vespa, aqui fica uma síntese de alguns erros muito comuns nas recuperações que por aí se fazem: furos para instalação de retrovisor, frisos de pisa-pés instalados fora das medidas (o primeiro deve estar no extremo da plataforma), varões de plástico em vez de ferro ou alumínio, furos à vista de acessórios retirados, bancos estofados em vez de terem as capas originais e pinturas a pincel.
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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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