terça-feira, 4 de novembro de 2008

O LUSO-MOTOCICLISTA CONTEMPORÂNEO EM TRÊS ACTOS

TEXTO NÃO PUBLICADO

PRÓLOGO
Às vezes, enquanto conduzo, dou por mim a cogitar sobre esta ou aquela característica que, de uma forma geral, reflecte os hábitos daqueles que como eu são motociclistas em Portugal. Hoje resolvi passar esses pensamentos dispersos – testemunhos daquilo que encontramos todos os dias na estrada – para o papel. A escrita pode muito bem ser uma forma de exorcizarmos os nossos fantasmas, medos, dúvidas, ou simplesmente os nossos defeitos. Todavia, justiça seja feita, também concordo que há males bem mais gravosos nesta nossa sociedade. Mas isso não me impede com certeza de perceber que, se calhar, há umas quantas arestas ainda por limar. Em todo o caso, é também contra mim que eu escrevo… Adiante.

ACTO I – DESTRUIR UM MITO: AS CONCENTRAÇÕES “MOTARDS”
É recorrente a afirmação de que já se perdeu o espírito genuíno que as concentrações de motociclistas haviam tido noutros tempos. Até me parece que esta é uma conjectura da moda. Em todo lado há sempre alguém devidamente avalizado na matéria para interpor tal observação.

Pela parte que me toca, e em virtude de ter completado três décadas de vida, nunca me foi possível experimentar esse tal espírito genuíno de que alguns invocam, muitos recordam, e outros tantos – como eu – simplesmente desconhecem. Das concentrações conheço apenas a realidade contemporânea, quer se tratem de encontros internacionalmente aclamados, ou de outros bem mais bairristas e erguidos com parcos recursos.

Agora, não é preciso ser-se um génio para perceber que as grandes concentrações são em tudo semelhantes aos festivais de verão, ou às grandes feiras regionais. Senão vejamos: existe um cartaz musical capaz de agradar aos que são e aos que não são motociclistas; há comida e bebida com fartura; tendas de artesanato, de vestuário, e de um sem número de outras “utilidades” encontram-se por toda a parte; e, muitas vezes, há igualmente o complemento balnear, nuns casos salgado, noutros doce. De resto, se não for o bike show, ou o típico strip-tease, a coisa não passa de mais um acontecimento lúdico em época de veraneio destinado a um público indiferenciado. Daí que me pareça que a única semelhança entre a realidade que hoje temos, e os tempos em que estas actividades estavam despojadas da actual vertente comercial, é só a facto de nos deslocarmos até lá de moto. Quer dizer… uns há que nem isso…Tudo o resto são condimentos que têm tanto de rentável como de impessoal.

Não tenho nada contra às concentrações. São agradáveis, proporcionam boas escapadelas de fim-de-semana, impulsionam o sector e as regiões. No entanto, talvez valha a pena inventar outras formas complementares para recuperar o tal convívio despretensioso que motociclistas como eu só conhecem de ouvir falar. Ou talvez caiba a cada um de nós promover esses momentos de partilha. É que quando o vil metal entra na equação, para mais numa escala de centenas de milhar, tudo fica mais impessoal. É como ir ao hiper-mercado em vez de ir à mercearia.

ACTO II – A CORTESIA, E A FALTA DELA
Há três anos fiquei espantado ao verificar que em França todo e qualquer motociclista que se cruzasse comigo me dirigia um cumprimento. Fosse com o polegar em sinal de OK, fosse com a perna direita esticada, fosse com um simples aceno de cabeça ou fosse, inclusivamente, com uma piscadela de máximos. Todos sem excepção, independentemente da moto que utilizavam, não hesitavam em cumprimentar-se entre si. Achei bonito. São gestos simples como este que aumentam a união, a coesão, e o sentimento de pertença a um grupo do qual fazemos parte. Não custa nada e cai bem.

Nos primeiros meses de carta, também eu cumprimentava toda a gente. Mas fartei-me de dirigir saudações a quem não lhes ligava importância. Às tantas sentia-me um idiota. Então deixei de tomar a iniciativa. Apenas respondia ao cumprimento caso mo dirigissem.

Mas agora mudei a atitude. Voltei a cumprimentar toda a gente. Acho que se todos agirmos assim não há de faltar muito tempo para que este hábito – tão característico do universo das duas rodas – se reinstale de novo de norte a sul. E sabem que mais, tenho reparado que até já os polícias retribuem o meu cumprimento. Valeu!

ACTO III – A SOLIDARIEDADE
Há uns meses circulava eu na A8, em direcção a Torres Vedras, quando vejo passar por mim uma moto a fazer um ronco tremendo. Continuo no meu ritmo, e uns cinco quilómetros mais à frente recomeço a vê-la no horizonte só que numa toada bem mais calma. Quando me aproximo um pouco mais tive de travar a fundo, guinar a minha Wild Star para a esquerda, pois a panela de escape da outra moto acabava de se soltar, varrendo as faixas da auto-estrada de uma ponta à outra. Depois de controlada a situação, quando eu já estava à frente dessa moto, talvez uns quinhentos metros, pensei em encostar para auxiliar o motociclista, mas acabei por desistir. Na altura achei que não tinha ferramentas para o ajudar, que de certeza que ele haveria de ter assistência em viagem, portanto, a minha presença seria escusada. Porém, estes são argumentos de quem simplesmente não tem argumentos. Hoje sinto-me mal quando penso neste episódio, até porque eu também já senti na pele o que é estar “enrascado” na berma, e ninguém se dignar a parar para oferecer ajuda. É simplesmente inqualificável. Umas vezes porque estamos distraídos, outras porque estamos com pressa, outras porque é de noite, outras porque é de dia, outras porque está a chover, outras porque está a fazer sol, outras porque estamos sozinhos, outras porque estamos acompanhados, na verdade somos pródigos em arranjar argumentos para justificarmos o nosso individualismo e votarmos à mercê da sorte outros que, como nós, percorrem a estrada em duas rodas, e que, também como nós, por vezes, precisam de ajuda. É que muitas vezes – e nisto nem se quer pensamos – o outro pode estar sem bateria no telemóvel para pedir socorro, e essa pode ser a nossa preciosa ajuda: emprestar o telemóvel para fazer a chamada. Por isso, não perceber nada de mecânica não é, de modo algum, pretexto para virar as costas. Nestas circunstâncias não há mesmo desculpa. Por isso é que, para mim, pensar neste tema é como levar um valente soco no estômago. Revejo-me num dos piores defeitos que o motociclista pode ter. Espero que com o caro leitor seja diferente. Eu pelo menos quero fazer um esforço por mudar.

EPÍLOGO
Talvez haja outros traços que definam de forma complementar, para o bem ou para o mal, o motociclista português. Falo dos motociclistas empenhados em acções de solidariedade social, de outros que promovem passeios interessantes (onde – aqui sim - se pode comungar do tal convívio que tem estado arredado dos grandes eventos), dos aceleras, dos “micro-matrículas”, dos minimalistas (aqueles que arrancam tudo da moto deixando ficar só o quadro, as rodas e o assento, e mesmo assim….), dos gabarolas, dos arruaceiros, dos condutores de fim-de-semana, dos condutores de fim-de-semana mas só no verão, dos que vão ver todos os jogos do Sport Lisboa e Benfica, mas que acham caro o bilhete para o Moto GP, preferindo ceder o lugar aos espanhóis, etc. Mas quem sabe, numa próxima oportunidade, eu talvez retome ao tema e acabe por adicionar novas cenas a esta peça. É uma questão de aguardar pela sequela.
© Todos os direitos do texto estão reservados para Hélder Dias da Silva
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

MERCADO MOTOCICLÍSTICO 2006-2007

Nº273 ANECRA Setembro 2008
Literalmente na cauda da Europa, Portugal parece dar sinais de por lá querer continuar no que ao sentido figurado da expressão concerne. O mercado motociclístico, ainda que palidamente a recuperar, não é – de todo – excepção.

O ano de ouro deste sector aconteceu em 1999. Com mais de dezanove mil motos matriculadas, nunca mais a história se repetiu. Hoje, quase uma década depois, os sintomas vaticinam que a façanha não torne a acontecer, pelo menos a breve trecho. Em 2002 e 2003 as quedas ocorreram, inclusivamente, a compassos de dois dígitos percentuais. Em 2006 o ciclo inverteu-se timidamente, com uma recuperação de 2%. Entre outros contributos, essa recuperação também sucedeu por força da entrada de novos concorrentes no mercado, oriundos do eixo China-Coreia, que com os seus produtos finais de baixo custo conseguiram não só penetrar no nosso mercado, mas, inclusive, expandi-lo minimamente. A nível europeu, por comparação no mesmo período, o nosso país manteve-se à margem da tendência verificada. Onde todos os outros aumentaram, nós reduzimos. Portugal, envolto num cinzentismo conjuntural, continua o cenário perfeito para o fracasso dos mais vulneráveis.

CICLOMOTORES
Este segmento reflecte, ainda que aparentemente, uma tendência diametralmente oposta à vigente no mercado em que está inserido. Parece ter crescido para o dobro de um ano para o outro. É certo que a entrada de fabricantes como a Keeway e a Kymco funcionou como dinamizador comercial, por via da introdução de novos modelos com preços de venda e manutenção muito competitivos, o que, em consequência, fez com que os fabricantes tradicionais e conceituados se vissem compelidos a reorganizar o seu portfolio em articulação com o modus operandi das suas estruturas no terreno. Porém, não estaria esta análise enviesada se não fosse o facto de, até meados de 2006, não haver a obrigatoriedade de registo de matrículas na antiga DGV (agora IMTT) para motos de cilindrada inferior a 50cc. Como era prática corrente, as matrículas até então eram emitidas pelas câmaras municipais, passando, desde essa data, a ser emitidas a nível central. Portanto, a análise de 2006 para 2007 é prejudicada em cerca de seis meses, que foram aqueles em que se venderam motos (ainda com os registos camarários) mas que agora não entram nas estatísticas. Já a análise de 2005 para 2006 seria absurda, pois representaria a transição do nada para o tudo…

A Keeway resulta numa aposta ganha. Apresenta taxas de crescimento anuais que só são possíveis porque a marca é nova no mercado. Ou seja, a montante, no seu negócio, tudo estava ainda por fazer. Deste modo, tanto a política de preços como a divulgação e promoção dos seus produtos nos fóruns próprios levaram a que rapidamente atingisse o primeiro lugar das vendas com o popular modelo Uricane 50. Perante os factos, somos levados a concluir que os produtos orientais não só chegaram, como também conquistaram o mercado nacional. Esta é, aliás, uma tendência de fundo noutros sectores da nossa economia global.

MOTOCICLOS
O motociclista português está todos os anos um ano mais velho. Não há “sangue novo” a entrar no sistema. O parque mantém-se estável, e com a falta de incentivos (ou com a criação de novos entraves) o “mundo das motos” já não seduz como seduziu em tempos. Uma tímida recuperação será o comentário mais fiel aos números apurados. Já 2006 havia sido um ano de ligeiras melhorias, porém, ambos, encontram-se muito distantes das mais de dezanove mil unidades matriculadas em 1999, o ano de ouro por excelência.

O modelo campeão de vendas foi a Hornet 600 da Honda, seguido da Yamaha FZ6 e da Suzuki GSXR 1000.

A preferência dos motociclistas lusos recai, maioritariamente, sobre modelos utilitários ou desportivos. As trail, cruisers e scooters constituem nichos num mercado já de si pequeno. Apesar dos circunstancialismos, o segmento das cruisers parece ter ainda bastante potencial. A atenção do público já se manifesta de forma diferente em relação a estas motos. Os motivos poderão ser de vária ordem, desde a crescente afluência destes modelos aos bike shows (o que suscita alguma curiosidade e admiração), à exibição de programas de tv sobre transformação deste género de motos, passando também pela aposta consistente da Harley-Davidson no marketing institucional e de produto.

Outro caso que se vai verificando com relativa frequência é o de motociclistas acidentados em motos desportivas que reequacionam o seu percurso, e optam por permanecer nas “duas rodas” aos comandos de “montadas” menos nervosas. É aí que as trail e as cruiser os poderão atrair.

Por seu turno, para deslocações citadinas, a versatilidade, a economia e a comodidade oferecidas pelas scooters de pequena e média cilindrada, são trunfos de peso para angariar novos adeptos, nesta era em que os custos do quilómetro percorrido e do minuto de estacionamento atingem máximos históricos.

MOTO4 & ATV
No segmento dos quadriciclos, a Yamaha, líder por excelência e tradição, foi pela primeira vez destronada. A Suzuki com o seu LTR 450 apoderou-se do primeiro lugar. A razão, segundo o próprio importador, prende-se com o facto de até 2007 a marca não possuir oferta direccionada a este segmento. Uma vez que ela foi disponibilizada, a liderança impôs-se naturalmente. Tanto mais que o segundo modelo no pódio surge sob a mesma insígnia, tratando-se do LTZ 400. A Yamaha aparece em terceiro lugar com o YFM 300.

DISTRIBUIÇÃO DO PARQUE SEGURADO DE MOTOCICLOS POR DISTRITOS
Todos os distritos, sem excepção, contribuíram para o aumento de quase dez mil unidades face a 2005. Continuamos a constatar uma predominância de motos no litoral, especialmente mais a norte (excepção feita, claro está, para o distrito de Lisboa, que é o maior concentrador do país). Faro, continua a ser a recordista de motos per capita, com apenas 42 habitantes para cada moto. Em termos absolutos, o Porto supera em dobro as motos de Faro, mas como tem mais do quádruplo da população, a relação final dos habitantes com as motos revela-se, em termos relativos, de menor expressão.

EVOLUÇÃO DO MERCADO EUROPEU
O mercado europeu, tal como o português, bateu no fundo em 2002. A diferença é que o primeiro, daí em diante, tem sabido recuperar, ao passo que o segundo não. Países como a França, Itália, Reino Unido e Alemanha, historicamente conhecidos pela sua tradição nas duas rodas, não servirão de ponto de comparação. Já a Grécia, Hungria, Lituânia servem na perfeição para estabelecermos analogias que ilustram bem a nossa falta de estratégia e desapego do sector. Actualmente, com percursos de venda ascendentes, estas economias reclamam para si os benefícios (em sentido lato) que um maior parque motociclístico lhes traz. Neste caso, em termos estritamente económicos, o fomento das vendas traduz-se também – e necessariamente – na defesa do tecido empresarial de serviços de reparação e manutenção, o qual é determinante para a independência e autonomia de muitas famílias que dele retiram o seu sustento, contribuindo para os cofres do Estado, em vez de o sobrecarregarem.

CONCLUSÃO
Com as cartas na mesa, as conclusões afiguram-se claras. A China massifica a sua oferta assente, com predominância, no baixo custo em detrimento dos altos padrões de qualidade ou inovação; o mercado português continua mergulhado numa crise e, tanto a nível político como empresarial, não há quem promova medidas de apoio estratégicas. Este problema, a jusante, agravará ainda mais a debilidade do sector e acentuará a distância que nos separa dos restantes modelos sociais e de gestão europeus, que muitas vezes nos orgulhamos de referir, sobretudo quando nos faltam os verdadeiros argumentos para sustentar a riqueza de uma ideia. Ainda assim, com os juros a aumentar, o desemprego em ascensão, a inflação a subir, a carga fiscal a subtrair uma importante fatia do rendimento de singulares e colectivos que pagam impostos, as taxas e emolumentos em serviços do Estado a sofrerem actualizações substanciais, a especulação dos combustíveis, as portagens onerosas em vias de comunicação com investimentos já amortizados (e com custos de exploração comedidos face ao encaixe de proveitos), as obras públicas de interesse questionável, e os salários a reflectirem perda efectiva de poder de compra, ainda assim, dizia eu, o mercado, nestes dois últimos anos, deu mostras de querer espevitar. Citando o reputado economista Dr. João César das Neves a propósito do atraso de Portugal face aos restantes países europeus: «O que este povo não faria se tivesse uma estratégia certa?».
© Todos os direitos do texto estão reservados para REVISTA ANECRA, uma publicação da ANECRA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 392 90 30.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

VESPA - RIGOR, CHARME E SEDUÇÃO

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2009
É fácil encontrar uma Vespa, com três ou quatro décadas, restaurada e pronta a andar. Bem mais difícil, é dar de caras com uma antiguidade dessas e percebê-la ainda melhor, mais requintada, que o próprio original.

Há, no entanto, quem o ouse e – indiscutivelmente – o consiga. As Vespa que hoje trazemos ao prelo, são veículos do mais puro luxo. Não que tenham diamantes incrustados nas jantes, cabos revestidos a ouro, selins de veludo púrpura, ou comandos em madrepérola assentes numa base de raiz de nogueira. Nada disso. São simples, funcionais, e rejeitam qualquer rococó escusado de altar-mor. Existe, contudo, algo que as distingue das demais, quer em termos estéticos, quer em termos mecânicos. O Sr. Luciano Igreja, minhoto há muito apaixonado pelas Vespa, dedica-se à sua recuperação com esmero e minúcia tais, que se reflectem de forma evidente no resultado final. Das suas mãos, saem veículos que se superam a si próprios quando novos, acabados de sair da fábrica. Estes, porém, saíram da Ciclo Igreja (a sua oficina), sob o olhar omnipresente – quiçá de inveja – da classicíssima Sé de Braga.

O processo de restauro tanto pode partir de sua iniciativa, como por solicitação de clientes. Muitas vezes, o Sr. Luciano, movido pelo fascínio que nutre por estes insectos com motor, compra as motos no mercado de usados (fazendo uso de contactos que tem, ou da internet), e se o modelo lhe agradar não há distância que o detenha. A Vespa laranja (que vemos nas fotos) veio do Ribatejo, onde a encontrou esquecida algures. As mais das vezes, são clientes que lhe aparecem à porta com as Vespa a “cair de podre” para que a sua habilidade e destreza lhes devolvam o ar jovial de outrora. O cliente tipo situa-se na faixa etária acima dos quarenta anos, e fará desta moto um uso tipicamente recreativo, pese embora muito ocasional. São, maioritariamente, pessoas que cresceram com as Vespa por perto, tendo, inclusivamente, sido proprietárias de alguma numa qualquer fase da vida, e agora, com maior disponibilidade financeira, entregam-se a este pequeno luxo de pagar por um elixir da eterna juventude estética e mecânica.

A cadência dos trabalhos é aquela que os recursos impõem. O Sr. Luciano está a restaurar, em média, uma Vespa por mês. Este trabalho é absolutamente meticuloso, e quando feito por mãos experientes e dedicadas – como as suas – o resultado salta à vista. «Comecei a reparar e a recuperar as Vespa, as Sachs, as Lambretta, as Casal, e outras, vai para mais de 40 anos», esclarece. «Sei de cor todas as peças do motor», acrescenta. De todas, a sua predilecção recai mesmo sobre as Vespa, como nos explica: «A Vespa é mais suave, tem melhor condução e menos atritos dinâmicos e mecânicos». Sobre o inflacionamento no preço dos modelos vintage, a sua justificação é, também, assertiva e lógica: «Trata-se de uma moto mítica. Por onde quer que passe chama a atenção, pois o design não sai de moda. Depois, são muito resistentes e fiáveis.».

Desde componentes internos do motor, até aos parafusos mais pequenos, tudo é substituído. «Do velho se faz novo», sublinha. O propósito é o de, no primeiro caso, eliminar ou prevenir avarias, e, no segundo caso, de realçar a estética do veículo. Por exemplo, os parafusos e porcas de ferro originais, são sempre substituídos por equivalentes em aço inoxidável com acabamento cromado. Como nos descreve: «o chassis vai ao jacto de areia, para que com a tinta fora, seja possível encontrar os podres. Caso assim não fosse, por debaixo da tinta velha o material continuaria deteriorado, e passados alguns anos seria necessário intervir outra vez na moto. Depois segue para o chapeiro, para então regressar ao jacto de areia, e só no fim intervém o pintor. E, claro, não se faz pintura a pincel, como muitas vezes se vê», elucida. Na mecânica, o motor é todo revisto com componentes novos (pistão, biela, cruzeta das velocidades, rolamentos, vedantes, juntas, discos de embraiagem, etc.), veios de suspensão, amortecedores e cabos são igualmente substituídos, independentemente do seu estado. Em suma, e como adianta: «As peças de desgaste são todas trocadas. Só assim posso dar dois anos de garantia global pelo restauro».

As peças provêem maioritariamente de fornecedores originais Vespa, mas há casos mais específicos onde o abastecimento é feito junto de agentes com peças testadas e compatíveis. O investimento em stock é, actualmente, de cerca de 250 mil euros. Tudo em prol de respostas rápidas e eficazes aos seus clientes.

Em termos mecânicos, o restauro é sempre fiel ao original. Não há tentativas de alterar esta ou aquela prestação. Contudo, no que respeita à estética, as considerações são diferentes, como avança: «Gosto de as pôr superiores ao que eram. Por exemplo, as tampas de motor são todas polidas e cromadas. Nenhuma moto era assim de origem…as tampas era pintadas…mas cromadas causam logo outro impacto…».

Prémios conquistados vão sendo alguns, tanto em motos suas como de clientes. Mas esta não é uma condição estratégica da sua actividade. Prefere empenhar-se na qualidade, recatadamente, afastado que está (por opção) dos grandes eventos do sector. No entanto, à entrada do exíguo escritório, está, bem visível, o troféu de melhor restauro conquistado no II Encontro de Barcelos, em 14-08-2005, organizado pelo Vespa Clube do Minho.

Quando lhe perguntámos se as Vespa algumas vez o desiludiram, a resposta foi disparada a direito, desvendando planos para o futuro: «Sim, a partir da década de noventa. É só plástico…O gozo está em trabalhar e conduzir estas. Por isso, até já tenho um projecto para fazer um side-car numa que estou agora a recuperar».

Quanto a valores, estes restauros nunca ficarão por menos de três mil euros. Para mais e não para menos. Tudo depende do modelo e ano da moto, bem como da sua condição presente. Casos mais complicados (que também os há) poderão ascender aos seis mil e quinhentos euros. Mas, nestas coisas, como noutras da vida, quando as coisas se fazem com gosto, o preço é o que menos importa. Neste caso, junta-se o gosto de quem as tem ao de quem as restaura, e o assunto está resolvido.
Em jeito de alerta, para quem não esteja familiarizado com os restauros das Vespa, aqui fica uma síntese de alguns erros muito comuns nas recuperações que por aí se fazem: furos para instalação de retrovisor, frisos de pisa-pés instalados fora das medidas (o primeiro deve estar no extremo da plataforma), varões de plástico em vez de ferro ou alumínio, furos à vista de acessórios retirados, bancos estofados em vez de terem as capas originais e pinturas a pincel.
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTOCICLISMO, uma publicação da MOTORPRESS LISBOA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 415 45 50.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

terça-feira, 28 de outubro de 2008

ESTILO VINTAGE

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2008
Uma vida inteira de dedicação às motos antigas (especialmente as inglesas) foi o mote para uma conversa com José Ferreira, o conhecido coleccionador e requisitado especialista técnico da zona de Sintra.

O gosto, esse, veio-lhe quase desde o berço, quando via o seu pai sair de casa de motorizada. Porém, a necessidade cedo o obrigou a aguçar o engenho e a arte para conseguir remediar os percalços que o seu primeiro ciclomotor lhe reservava – uma Zundapp de 1961. Anos depois, já a trabalhar, chegou-lhe às mãos uma V5. Mais tarde, tirou a carta de condução e quando saiu da tropa adquiriu a sua primeira “bifa”: uma Royal Enfield 250. Hoje, lembrar-se de todas as motos que já teve é um autêntico desafio para a memória. Começaram por ser meros meios de transporte, contudo, posteriormente, a dedicação à causa apurou-se e com ela surgiu a colecção e a competição. Não foi só de recordações que falámos hoje – mas também. Pelo meio ferrou-se a brasa do descontentamento nos olhos do presente e atreveram-se alguns palpites e sugestões para o futuro.

MOTOCICLISMO: Foi lhe complicado aprender este ofício?
José Ferreira: Na verdade, quando comecei a reparar as minhas motos, sempre tive pessoas que me explicavam como fazer as coisas. Isso é importantíssimo. Depois, como não tinha dinheiro para pô-las na oficina, não tinha outro remédio se não desenrascar-me.

M: Havia algum “guru” em especial?
JF: Para mim, o Manelito da Quinta do Conde é o maior mago das motos antigas. Se há pessoas que nasceram para isto, ele é uma delas com certeza. É uma pessoa que não nega ajuda a ninguém, é muito prestável. Até o João Santos da Suzuki foi “pupilo” dele. Ele formou vários mecânicos que estão hoje aí.

M: É preciso ser-se abonado financeiramente para se ser proprietário de uma clássica?
JF: Nos carros talvez, mas nas motos não. Há de tudo e para todas as bolsas. Acontece é que, por vezes, há trabalhos que financeiramente não compensam como investimento, porque pode-se ir buscar uma moto lá fora exactamente igual, já recuperada, e mais barata. Nesses casos, às vezes, o valor estimativo (por se tratarem de motos de família) suplanta o valor de mercado, e por isso se ouvem falar de restauros muito onerosos.

M: As peças que usa são compradas novas ou são recuperadas de motos desmanteladas?
JF: Havendo novo à venda é preferível. As usadas só como último recurso, e mesmo assim não convém que sejam para componentes mecânicos vitais ao funcionamento da moto.

M: Nos seus restauros tenta ir para além do original, melhorando-o?
JF: Aliás, às vezes nem dá para saber ao certo como era o original. Há modelos Norton da mesma série que vêm com pormenores diferentes umas das outras. Por isso, sempre que possível tento encontrar a solução que melhor se adequa ao modelo e à utilização a dar. Por exemplo: tento manter os parafusos originais nos apertos ao quadro, mas todos os outros substituo por parafusos em inox. Não enferrujam e dão um aspecto mais limpinho à máquina.

M: Que motos clássicas mais se vêem por aí a circular?
JF: As Norton 500 S2, monocilíndricas, as 88, as AJS e as Matchless.

M: Onde reside o encanto das inglesas?
JF: Os ingleses construíram muitas motos. Tinham muitas marcas, muita produção. Logo, acabaram por vender bastante, o que ajudou a disseminar esta atracção nostálgica. Depois, para a época, eram até bastante engenhosos. Chegaram a produzir motos nos anos 20 com travagem combinada. Os italianos, também têm o seu lugar na história, pela tecnologia que aplicavam, mas como eram menos fabricantes, venderam em menor quantidade. Depois, havia aquele mito de que as italianas partiam o motor com mais facilidade quando chegavam ao redline. Assim, apesar de as inglesas pingarem óleo, as pessoas preferiam uma inglesa, até porque era mais fácil mandá-las vir para Portugal, pois havia muita oferta. As BMW eram muito rigorosas mecanicamente, mas transmitiam menor emoção a quem as conduzia. Creio que o encanto reside nesta conjugação de factores.

M: Qual é a sua preferência pessoal?
JF: São as Triumph, pelas garantias mecânicas que sempre demonstraram face à concorrência.

M: Que principais dificuldades encontra no dia-a-dia da restauração?
JF: A qualidade de alguns materiais, mesmo daqueles que se mandam vir de Inglaterra. Com a globalização muita produção foi mobilizada para o Oriente à conta da mão-de-obra barata. Acontece que o rigor passou a ser bastante sofrível. Dou-lhe exemplos: farolins que não aconchegam, interruptores que não comutam, etc. As cromagens nacionais bem feitas são, também, cada vez mais difíceis de encontrar.

M: O tempo de espera pelo material é demorado?
JF: Entre uma semana a quatro meses.

M: Houve até agora algum restauro que lhe pusesse os nervos em franja pela dificuldade?
JF: Não. A Norton Internacional do João Paulo Fragoso foi complicada. O material de chapa foi difícil de encontrar, e a mecânica também tem que se lhe diga, mas com calma lá se conseguiu. Sei agora de uma em que o indivíduo teve de mandar fazer a árvore-de-cames em Inglaterra. Lá está, para as Triumph é mais fácil obter material genuíno. Nos trabalhos mais difíceis conto também com a ajuda do Luís Teixeira, e da literatura que fui adquirindo.

M: Que opinião tem acerca das futuras inspecções das motos?
JF: Neste país quando é para sacar dinheiro, os governantes avançam logo. E quando não são eles a lucrar, alguém o há-de fazer. Senão, veja-se o exemplo dos automóveis: a gente cruza-se todos os dias na estrada com carros que de certeza absoluta nunca passaram por uma inspecção, no entanto eles estão aí e com os documentos em dia. Nestas motos antigas, a maior parte delas reconstruídas, ou as coisas se fazem com real conhecimento da matéria, ou então vão é arranjar maneira de metade delas serem encostadas, e as outras, para andarem legais, terão de passar na tal inspecção sabe-se lá como…

M: Na sua opinião, quais deveriam ser as prioridades da FNM para o dossiê clássicas?
JF: Há dois anos, numa reunião da FNM, o Campos Costa teve uma ideia que a meu ver seria bastante louvável: era a criação de um núcleo para a protecção e salvaguarda das motos antigas enquanto património. Em muitos países as motos antigas são consideradas património de interesse público. Aqui em Portugal, se alguém quiser legalizar um veículo desses comprado no estrangeiro, os entraves burocráticos e técnicos são os mesmos como se fosse um veículo moderno. Já me aconteceu ir a uma inspecção de ruído para atribuir a matrícula a uma moto de 1954, e os parâmetros de avaliação serem os mesmos, como se fosse uma moto actual, construída com toda a tecnologia que hoje conhecemos. Claro que os barulhos internos do motor (que são normais naquela moto) excediam o limite permitido, apesar de os escapes estarem abafadíssimos. O mais absurdo é que nesse dia estava lá um indivíduo com uma BMW de 1936, com três velocidades, e foi-lhe exigido (tal como a todos os outros) que num dado espaço acelerasse em segunda até aos 60km/h. É caricato! Nem sei se essa moto em terceira, a descer, e com o vento por trás, alguma vez conseguiria chegar aos 60km/h… Bom, daí que a ideia do Campos Costa, para proteger este espólio, tenha sido muito bem acolhida no seio da comunidade. Na verdade, estas motos antigas são autênticas peças de arte. Logo se vê como vai ficar.

M: Que outras boas práticas poderiam ser implementadas no nosso país?
JF: Às vezes há motos a apodrecer em palheiros, com os documentos em nome de alguém que já não se sabe quem é ou, simplesmente, sem qualquer documentação. Em Espanha, por exemplo, consegue-se registar uma moto dessas. É-lhe atribuída uma matrícula de transição pelo período de um ano, findo o qual, não havendo reclamações, passa a definitiva.

M: Que modelos actuais poderão ser clássicos daqui a uma vintena de anos?
JF: A primeira condição é a de serem sucessos comerciais, depois têm de ter uma certa mística. A Yamaha R1 tem condições, a Honda CBR 1000 também, bem como a Suzuki GSXR 1000. Depois, poderemos ter nas naked a Speed Triple como eventual candidata. Uma scooter cinquentinha que poderá vingar como clássica é a Target da Yamaha. Não passaram ainda muitos anos por ela, mas já deixou saudades. Dentro das cruiser, eu diria que qualquer Harley-Davidson será um clássico. Aceito que os japoneses façam motos tecnicamente melhores, mais fiáveis, mais bonitas e mais baratas neste segmento, mas a Harley-Davidson é a original, e essa é uma herança que vale muito. O resto será sempre uma imitação.
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTOCICLISMO, uma publicação da MOTORPRESS LISBOA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 415 45 50.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

AS CLÁSSICAS NA FNM

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2008


Por estarem necessitadas de quem lhes defenda os interesses, as clássicas fazem-se representar na FNM com cada vez maior ênfase. São o segmento de uma imensa minoria.

Por ter surgido a necessidade de os interessados nesta actividade fazerem ouvir a sua voz em temas determinantes do seu próprio futuro, a FNM acolheu os entusiastas deste núcleo mais vintage do motociclismo. A sua missão passa por exercer pressão com vista à resolução (ou prevenção) dos seus problemas. Todavia não existem clubes exclusivamente de clássicas na FNM, mas sim clubes que também se dedicam a esta actividade para além das motos modernas. Nas palavras do responsável por este pelouro na FNM, o Eng.º José Campos Costa, «O nosso interesse é que esta situação se inverta e que venham a aderir à FNM exclusivamente clubes de motos clássicas». A especialização parece ser o móbil que garante a consecução dos fins propostos para este nicho de filiados. Como refere a respeito das necessidades específicas deste grupo: «Por exemplo, muitas motos antigas têm problemas de documentos ou mesmo a total falta deles. Isso é, infelizmente, muito normal e tem de ser resolvido em conjunto com as entidades oficiais, sobre pena de se perder um património histórico muito importante e valioso. Estamos na FNM neste momento já a estabelecer contactos com as entidades oficiais para tentar resolver o problema da documentação ou legalização das motos. É necessário, no entanto, formar um lobby com os interessados e para isso é que temos vindo a defender a necessidade de estes criarem uma Associação para depois integrarem a FNM e assim representarem oficial e legalmente toda esta actividade. É necessário que estes entusiastas se associem numa entidade que possa ter representatividade oficial para falarem a uma só voz e serem ouvidos», adverte.

Quando questionado sobre qual o grau de sensibilização da FNM face a estas idiossincrasias de grupo, o Eng.º Campos Costa vai mais longe: «Os clubes actuais ainda tem uma organização muito precária, salvo algumas excepções. Alguns nem sequer personalidade jurídica têm, sendo apenas um grupo de amigos. Há que compreender esta situação pois trata-se de uma actividade dupla: a participação em concentrações/passeios e o restauro, que é sempre oneroso», sublinha. «Muitos dos proprietários são os próprios restauradores e fazem-no por vezes com grande sacrifício pessoal de tempo e dinheiro, o que é por si só altamente louvável. Daí o cuidado que temos na FNM em que o nosso contributo não venha onerar ainda mais os encargos destes coleccionadores, sem que para isso haja justificação», sustenta.

Sobre a importância cívica de actividades em torno das motos clássicas, o responsável da FNM considera que é muito salutar por ser também o restauro, uma excelente ocupação de tempos livres. Por outro lado, e numa óptica mais economicista, alega que para as entidades municipais, as concentrações de clássicas são sobretudo uma forma de desenvolver o turismo. Como afirma, «Há quem defenda na UEM que motos clássicas correspondem a desenvolvimento turístico, o que me parece acertado. Além do mais, estes eventos são um importante convívio e uma forma de fomentar os contactos entre interessados na actividade de restauro».

Sobre a eventualidade das inspecções periódicas às motos, neste caso as clássicas, o Eng.º Campos Costa responde com o parecer genérico da FNM, o qual assenta que nem uma luva a todos os segmentos de proprietários das duas rodas: «Considerando que:
- As motos têm períodos de manutenção mais curtos que os automóveis;
- Todos os elementos mecânicos importantes estão à vista do utilizador (calços e discos de travão, nível de óleo, níveis de fluidos de travão, transmissão secundária, luzes, pneus, …);
- A moto tem uma utilização menor (em termos de quilometragem percorrida) do que o automóvel;
- O baixo impacto das questões da manutenção e inspecção têm na segurança rodoviária (menos de 1% de acidentes causados por questões de mal-funcionamento do veículo, segundo o documento MAIDS).
Concluímos que a implementação das inspecções periódicas nos motociclos não é uma prioridade. Antes, deverá ser substituída por um controlo mais apertado e eficaz da conformidade dos motociclos, nomeadamente quanto às questões do ruído e velocidade excessiva».

Resta saber até quando os nossos governantes recusarão ouvir a voz do bom senso. Neste, como em outros assuntos…
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTOCICLISMO, uma publicação da MOTORPRESS LISBOA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 415 45 50.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

domingo, 26 de outubro de 2008

A INDIAN MAIS RÁPIDA DO MUNDO

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2008
Os sonhos, tal como as motos, também se tornam clássicos e míticos. Este, de transpor o recorde de velocidade, apesar de recorrente, não está ao alcance de qualquer um. É só para quem não tenha medo de arriscar.

Burt Munro é o homem sobre quem escrevemos. Um neo-zelandês sexagenário, com alguns hábitos de eremita, mas um fervoroso entusiasta dos motores e da velocidade. O seu principal hobby consistia em estar constantemente a modificar a Indian Scout dos anos 20 que tinha na garagem, competindo, de quando em vez, com outros racers de montadas mais modernas. Assim era para que pudesse cumprir um sonho maior: o de competir com a sua moto em Bonneville Salt Flats com o fito de superar recordes de velocidade. Apenas por paixão. A vida desta personagem real já serviu de inspiração para, pelo menos, dois livros. George Begg escreveu em 2002 “Burt Munro: Indian Legend Of Speed” e, Tim Hanna, em 2006, fez editar "One Good Run: The Legend of Burt Munro". Contudo, pelo meio, em 2005, surge o filme “The World’s Fastest Indian”, protagonizado por Anthony Hopkins e realizado por Roger Donaldson que, de uma forma livre, nos reconta a senda de Burt Munro para perseguir e realizar o seu sonho. É sobre esse registo que pretendemos dar conta neste texto.

Burt era um cidadão admirado na sua comunidade. Era afável, educado e respeitado, tendo sido, inclusivamente, distinguido pela publicação “Popular Mechanics”, em 1957, por a sua moto ser a mais veloz da Austrália e Nova Zelândia. Porém, ambicioso como era, distinções como essa só lhe aumentavam ainda mais o desejo de competir em Bonneville. Este projecto audacioso envolveu o dispêndio de todas as suas economias, fruto de uma vida inteira de trabalho.

Poucos dias antes da partida, é-lhe diagnosticado um grave problema de coração, sendo aconselhado pelo médico a deixar, pura e simplesmente, de competir. Burt não podia ter dado maior desprezo às palavras do médico. Uma vida pacata, de roupão e chinelos, sem a adrenalina das motos e da velocidade não era para si. Com o descrédito de muitos dos seus conhecidos, mas com o voto de confiança dos que lhe estavam mais próximos, Burt Munro e a Indian Scout embarcaram rumo aos Estados Unidos. Estávamos em 1962.

Depois das muitas peripécias que o filme nos apresenta, Burt Munro chega finalmente a Bonneville, mesmo a tempo de participar na famosa Speed Week. Bonneville fica no estado de Utah, e as Salt Flats são grandes superfícies secas que outrora haviam sido enormes lagos salinos. Esta, concretamente, tem cerca de 412km2, e é uma superfície tão plana que acompanha com precisão a curva do globo terrestre. Como local extenso e inóspito que é, tornou-se perfeito para atingir as grandes velocidades que Burt ambicionava.

Apesar da sua patologia clínica em nada o ajudar, contra todos os prognósticos, Burt estableceu o recorde de 288km/h na sua Indian com o motor de 850cc. Uma moto que nem travões de disco tinha, e cuja ciclística era um misto de foguetão artesanal com bicicleta a pedais. Mas sobreviveu! De tal maneira que no ano seguinte regressou e atingiu os 305.88km/h (não oficial). Em 1967, Burt estabeleceu o recorde mundial de 295.45km/h com a sua Indian Scout a atingir uma capacidade de 950cc. Este feito ainda hoje perdura.

De todas as vezes que Burt se deslocava a Bonneville, a sua “dream-team” era um grupo de entusiastas que o apoiava como podia e sabia. Os recursos eram escassos, e as necessidades eram muitas. Havia que gerir tudo com parcimónia. Compensava a boa vontade, que essa era de sobra. Como mais tarde confidenciou: «Na última vez em Los Angeles arranjei um furgão por 90 dólares. Era a sede da equipa Indian».

Burt faleceu em 1978, com 79 anos. O seu exemplo de coragem e tenacidade ficará para sempre. A Indian Scout, que foi sua durante 57 anos, e com a qual estabeleceu novos limites para a ousadia, está hoje na posse de um entusiasta de longa data em South Island.

INDIAN SCOUT
Engenheiro responsável pelo projecto: Charles Franklin
Produção: 1919-1930
Cilindrada: 596cc
Motor: bicilíndrico em V, 42º com válvulas laterais
Caixa: 3 velocidades
Transmissão: corrente
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTOCICLISMO, uma publicação da MOTORPRESS LISBOA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 415 45 50.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

GNR-BT - A PA IXÃO PE LAS MO TOS

Nº204 MOTOCICLISMO Abril 2008
Por motivos opostos, tanto os motociclistas como os agentes da BT são, por vezes, olhados de soslaio. Nós, olhamos para ambos de frente. Em simultâneo, e contra o preconceito.

Há já muito tempo que as motos são um importante elemento no seio das forças policiais e militares. Os argumentos, em tudo racionais, justificarão a sua presença dentro destas organizações por muitos e longos anos. Hoje, a MOTOCICLIS MO teve a oportunidade de conhecer um pouco melhor a actividade que a GNR-BT desenvolve com as suas motos. Verificámos, inclusivamente, que existe uma crescente sensibilização interna que tende a incrementar, ainda mais, o seu uso. E como nisto de andar de moto, o coração também manda, entrevistámos dois militares que, mesmo quando despem a farda, continuam a andar de moto.

MOTOCICLISMO: Como nasceu o vosso gosto pelas motos?
Soldado Mendes (SM): Desde sempre.
Cabo Bernardes (CB): Eu gosto de motos desde miúdo, mas a disponibilidade financeira era pouca. Assim que me foi possível comprei uma moto.
M: Deslocam-se também de moto aqui para o Destacamento?
SM: Se não for pleno Inverno, eu venho sempre de moto. Nunca uso carro. São cerca de 60km diariamente.
CB: Depende. Eu como moro muito perto (a 5km), dá-me preguiça de tirar a moto da garagem só para vir para aqui. Nem a moto aquece. Mas se quiser dar uma voltinha, antes ou depois do serviço, aí trago mesmo a moto.
M: Em que é que ser motociclista vos modificou enquanto agentes?
SM: Se calhar vemos as coisas de maneira diferente. Determinadas acções, agora, são vistas com outros olhos. São autênticas barbaridades. Agora percebemo-lo. Depois, levamos a mentalidade da vida militar para a vida civil. Já não fazemos determinadas manobras que, esporadicamente, fazíamos quando não tínhamos esta profissão. Infelizmente, vemos diariamente muitos acidentes, e essas memórias acompanham-nos para todo o lado.
M: O que devia ser alterado em termos culturais e comportamentais nos motociclistas?
CB: Há meia dúzia de motoqueiros a dar má fama aos motociclistas. São indivíduos que abusam, fazem manobras irregulares, causam perigo a eles próprios e aos outros utentes da via. Por causa deles, os automobilistas olham para nós e pensam «ali vai mais um maluco …».
SM: Ou pior, «mais um bandido».
CB: E quem é bom motociclista, não se revê nesses comportamentos. Esses arruaceiros, os motoqueiros, são pessoas que pensam que sabem andar de moto, e fazem o que não devem. Tapam a matrícula, fazem barulho, são exibicionistas, gostam de levantar a roda da frente, etc. Mas esse não é o verdadeiro motociclista. E, por norma, são esses que acabam por ter os acidentes. Procuram o perigo, e, mais cedo ou mais tarde, encontram-no.
M: Qual a vossa opinião sobre as dimensões das novas chapas de matrícula?
CB: Esteticamente desfiguram um bocado as motos. Saem fora do contexto. Mas para nós facilita-nos o trabalho. São mais visíveis porque os caracteres são maiores. Podemos identificar a matrícula a uma distância superior, sobretudo em situações de fuga. Em relação à beleza, temos de reconhecer que são feias. Mas é uma questão de hábito. Por essa Europa fora há já muitos anos que as chapas são enormes. Não se pode ter o melhor de dois mundos…
M: Sentem que há automobilistas a criar, deliberadamente, dificuldades a quem anda de moto?
SM: Por exemplo, no trajecto que faço para casa, na EN3, há muita gente a desrespeitar os sinais STOP só porque o veículo que tem prioridade é uma moto. O motociclista que se desenrasque. Se algum cair (como já tem acontecido) se calhar nem prestam auxílio só para evitar problemas…
CB: Tenho reparado muitas vezes que os automobilistas encostam-se ao traço contínuo só para impedir que uma moto os ultrapasse. Ou pior, às vezes afastam-se do traço, e quando a moto está ao lado do carro, apertam-nos para cairmos ou fazermos uma infracção. Se eu estiver a conduzir a moto da BT, às vezes até param quando deviam andar, mas quando vou com a minha moto é completamente diferente.
SM: Não havendo sinalização vertical em contrário, uma moto pode ultrapassar um carro desde que não transponha o traço contínuo. Mas lá está, quando saímos com a moto da BT, nunca passamos por esses problemas. Aí os condutores dos automóveis agem civilizadamente, e em respeito da lei, como sempre deveriam fazer.
CB: Conduzir a moto da BT é muito menos exigente, do ponto de vista da concentração, que conduzir a minha moto
pessoal. Aí sou muito mais preocupado, porque tenho de antecipar as manobras dos outros. É dessa diferença que
nunca me posso esquecer pois, caso contrário, corro o risco de ter um acidente com a maior facilidade.
SM: Sim, nunca podemos levar a maneira de conduzir uma moto para a outra, se não damo-nos mal de certeza.
M: Cabo, com uma Hayabusa é fácil cumprir os limites de velocidade?
CB: (risos) Aquilo também trava…
SM: (gargalhada)
CB: Essa pergunta não é fácil (risos), mas a verdade é que ninguém consegue cumprir a totalmente a lei. Nem o ser humano mais puro do mundo cumpre a cem por cento. Eu como também sou humano, de vez em quando distraio-me, e como os outros condutores, dou um bocadito mais. Mas por norma, e principalmente dentro das localidades, ou quando há muito movimento de trânsito, faço uma condução defensiva. Pela minha segurança e a dos outros. Até porque, se for apanhado a infringir, por um radar dos nossos, tenho de pagar a multa. E há muitos por aí…
SM: Muita gente não acredita mas é verdade. Um agente de autoridade é multado como qualquer pessoa. Se for apanhado por um radar não há nada a fazer…
CB: Ainda há tempos fui apanhado com a moto da BT em excesso de velocidade e tive de justificar. Estava a tentar interceptar um condutor que fez uma manobra perigosa, e excedi o limite para aquele local. Portanto, até as motos da BT são “apanhadas” pelos radares. Claro que, nesse caso, tinha uma justificação atendível, mas de outra forma, o caso teria sido diferente.
M: Como consideram o valor do Imposto Único de Circulação?
SM: Considero excessivo. As motos são encaradas como veículos de luxo, mas esquecem-se que há muitas pessoas a utilizar as motos durante o ano inteiro como meio de transporte, algumas até já com bastantes anos. E isso nada tem de luxuoso. Eu paguei 102,00€, para andar legal, mas é excessivo. Mas temos de cumprir, e tentar fazer cumprir.
CB: É muito exagerado. É como as portagens. Não tem lógica duas rodas pagarem o mesmo que quatro. O que é que
desgastam? Que espaço ocupam? É injusto…
M: Como reagem quando têm de autuar um motociclista?
SM: Há, digamos, um sentimento diferente. Mas se eu, antes de ser agente, já era motociclista e tentava cumprir – ter seguro, ter a moto em meu nome, pagar o imposto (custa, mas temos de o pagar), ter a carta de condução, etc. – porque é que agora, numa fiscalização, hei-de desculpar? Se eu sou motociclista e cumpro, porque não hão-de ou outros cumprir também?
CB: Às vezes, perante uma manobra menos grave, que se perceba que foi feita sem intenção, nós interceptamos o individuo, e até temos uma acção mais pedagógica que punitiva. Mas as pessoas têm de ser humildes, e perceber o que fazem. É uma questão em que impera o bom senso. Noutros casos, por altura das concentrações, se estiver escalado para o serviço, até aproveito as fiscalizações para dar sugestões e recomendações úteis. Se sensibilizar as pessoas, elas vão-nos encarar de uma outra forma e, da próxima vez, param novamente, em vez de fugirem. Tempos houve em que as motos quase nunca paravam. Até fazíamos apostas…«queres apostar que este vai fugir?»
M: Como agentes de autoridade, que mensagem gostariam de deixar aos motociclistas que nos lêem?
SM: Tenham prudência na estrada e amor pelas motos. Desfrutem do prazer de andar de moto.
M: E como motociclistas?
CB: A todos os automobilistas, respeitem-nos mais. Não ponham em perigo os motociclistas. Facilitem a passagem, deixem nos circular à vontade, que de certeza que a maior parte dos motociclistas até tem o hábito de agradecer. Esse
seria um ambiente agradável para se viver. Um grande bem-haja para todos!

Nota: Este trabalho nunca teria sito possível sem a prestimosa colaboração da GNR-BT, e de todos os militares envolvidos. Pela disponibilidade, simpatia, cooperação e paciência, o nosso obrigado ao Major Ruivo Tomás, 2º Comandante do Grupo Regional de Trânsito de Lisboa, também ele motociclista na vida civil.

● A BT-GNR está dividida 5 Grupos Regionais de Trânsito. Do GRT de Lisboa (GRT1) fazem parte 5 Destacamentos: Lisboa, Carcavelos, Setúbal, Coina e Carregado. Foi a este último que nos deslocámos para a realização deste trabalho.
● As motos têm o equipamento de rádio para comunicação com a central, ou com outras patrulhas. Têm também luzes para assinalar marcha de urgência, a sirene, e estão caracterizadas como veículos da BT. Em tudo o resto são idênticas aos modelos em comercialização.
● Por princípio, todos os militares até aos 45 anos estão aptos a conduzir motos. Só no caso de haver algum impedimento físico é que não o farão. A partir dos 45 só conduz moto quem manifeste interesse e reúna condições.
Nas palavras do Tenente Oliveira, «quem manifestar disponibilidade para fazer serviço de moto, em qualquer idade, poderá, de acordo com as necessidades, fazê-lo». Existe uma militar na BT a fazer serviço de moto.
● A corporação tem fatos de frio e de chuva, que adequa conforme as condições atmosféricas, isto, clãro, além da farda normal de serviço. O passo seguinte é a aquisição de um fato completo – adaptado à função de agente da BT – com as protecções necessárias, botas de motociclista, reflectores, etc., de forma a que os militares possam desempenhar as suas funções de uma maneira mais segura. Este projecto conjunto com o Ministério da Administração Interna já está em curso.
● Devido à sua mobilidade é possível, de um momento para o outro, fazer deslocar uma moto para fora do itinerário que lhe estava traçado. Basta comunicar via rádio. Há um acesso permanente de comunicação entres patrulhas, e das patrulhas com a central. O objectivo é haver entreajuda.
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTOCICLISMO, uma publicação da MOTORPRESS LISBOA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 21 415 45 50.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

DAYTONA BIKE WEEK

Nº76 MOTO REPORT Abril 2008
Talvez tenha sido o apelo de areia dura, nos dias amenos de Inverno, ou talvez a excitação da primeira corrida de moto pela praia, que fez de Daytona Beach o palco da Bike Week mais famosa do mundo inteiro. Provavelmente o retorno, todos os anos, de cada vez mais pessoas ao evento, dever-se-á às carismáticas actividades que lá têm lugar e que, por isso mesmo, têm ajudado a elevar o seu nome cada vez mais alto. Seja como for, esta Bike Week é uma prestigiada tradição que tem lugar desde 24 de Janeiro de 1937, originalmente com o nome de Daytona 200. Este ano, de 29 de Fevereiro a 09 de Março, cumpriu-se novamente a tradição, e o sonho de muitos que lá ambicionam ir.

A primeira corrida teve lugar ao longo de 3.2 milhas (pouco mais de 5.100 metros), num percurso misto de areia de praia e estrada, ao sul de Daytona Beach. O californiano Ed Kretz, mais concretamente de Monterey Park, foi o vencedor. Ele pilotava uma moto de um conceituado fabricante americano, a Indian, e a velocidade média cifrou-se nos 117km/h. Kretz venceu também a corrida inaugural da cidade de Daytona Beach. Entre 1942 e 1947, devido à II Guerra Mundial, esta prova teve de ser cancelada. A American Motorcycling Association (AMA) considerou que, no interesse da defesa nacional, deveria ser imposto um interregno ao evento. É que a guerra obrigava ao racionamento dos combustíveis, e a produção de pneus, e de componentes mecânicos de base, para veículos domésticos ou particulares deveria ser canalizada, quase que em exclusivo, para a obtenção de mais material bélico. Porém, neste período, uma outra corrida, não oficial, teve lugar. Era descrito pelos locais com “Handlebar Derby” (a prova dos guiadores). A 24 de Fevereiro de 1947, e com o conflito mundial já terminado, um ilustre cidadão local, Bill France, promoveu a reorganização da corrida e contou com 176 concorrentes. Vários jornais da época relatam que terá sido pedido à população que acolhesse os motociclistas visitantes nas suas casas, pois o ramo hoteleiro estava simplesmente lotado. Em 1948, um novo percurso de praia e estrada foi delineado, motivado pela construção na área onde antes as corridas se realizavam. Desta feita, os organizadores moveram-no ainda mais para sul, para junto de Ponce Inlet. Contava agora com 4.1 milhas (mais de seis quilómetros e meio) de extensão. A última Daytona 200, num percurso misto de areia e alcatrão, ocorreu em 1960. Depois disso, a prova foi transferida para o circuito Daytona International Speedway. Esta Bike Week sempre encerrou em si mesma um toque bastante peculiar. Algures, depois da guerra, criou-se uma certa tensão em seu torno. Enquanto que a competição era devidamente organizada, obedecendo a regras bem definidas, tudo o resto à sua volta não. Com o passar dos anos, a população local começou a sentir-se insegura com aquilo que denominava de “A Invasão”. Os agentes da autoridade eram poucos, tendo em conta a dimensão do evento, e os confrontos entre bikers e polícia eram cada vez mais intensos. Esta espiral de violência atingiu o seu pico em 1986. Daí em diante, estabeleceu-se uma equipa operacional, composta por várias entidades, como sejam a própria organização, diversas instituições da cidade e até a câmara de comércio local, com o fito de melhorar as relações entre os participantes e a população, alterando a magnitude dos acontecimentos. Hoje em dia, a Bike Week, é um acontecimento que dura dez dias, e que se estende até ao condado de Volusia. Há centenas de actividades para participarem motociclistas ou simples entusiastas. São centenas de milhar os que lá comparecem, e a população local, agora, recebe-os de braços abertos.
Fatalidades:
- Em média, por ano, morrem entre quatro a dez pessoas.
- Em 2000, morreram entre dez a quinze pessoas.
- Em 2006, doze motociclistas morreram nos primeiros oito dias. No último dia a lista chegou aos dezoito mortos e catorze destas ocorreram nos condados de Volusia e Flagler.
- Em 2007 morreram duas pessoas.
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

FOO FIGHTERS - DISSIDENTENTES DO GRUNGE

Nº75 MOTO REPORT Março 2008

A 5 de Abril de 1994 Kurt Cobain, com um tiro de espingarda no céu da boca, pôs fim à sua vida e, em consequência disso, à carreira dos Nirvana. Dave Grohl, o baterista que havia cimentado a sua carreira e reputação nas entranhas do grunge, enceta um novo projecto: os Foo Fighters. Nele provou ser, não só um excelente baterista, mas um bom guitarrista, um grande compositor, um vocalista agradável de se ouvir e um performer de mão cheia. Com tanta criatividade, e, para mais, sendo um poli-instrumentista, seria impossível passar o resto da vida atrás de uma bateria…


Após a morte de Kurt Cobain, Grohl entrou no Robert Lang’s Studio em Seattle com o amigo e produtor musical Barrett Jones. Excepção feita para a parte de guitarra de “X-Static” Grohl tocou todos os instrumentos das faixas.

Gary Gersh (que já tinha trabalhado com os Nirvana, e que era um “descobridor de talentos” da Capital Records) incluiu Dave Grohl no catálogo da editora. As faixas acabaram por ser misturadas, e o resultado final tornou-se posteriormente no primeiro álbum – homónimo – da banda. Grohl não quis que este fosse um projecto de estúdio ao estilo One Man Show, então trabalhou para formar uma banda de suporte ao álbum. Inicialmente, o seu antigo colega Krist Novoselic era o principal candidato, mas ambos ponderaram sobre imagem errada que estariam a dar dos Foo Fighters como sendo uma continuação dos Nirvana. Grohl decidiu convidar outro músico, o baixista Nate Mendel, e mais tarde o baterista William Goldsmith.
Pat Smear, que era um membro não oficial do Nirvana após o lançamento de In Utero, foi adicionado como segundo guitarrista, completando assim a banda. O colectivo realizou a sua primeira digressão ainda em 1995, abrindo os concertos de Mike Watt. Com o segundo trabalho de estúdio, Dave Grohl realizou um feito considerado por muitos músicos quase impossível. Gravou todas as músicas do disco, nada mais, nada menos, em somente uma semana. Ele tocou guitarra, baixo, bateria, e cantou em cada uma das treze canções compostas integralmente por si. É obra! Como precisava de um baterista (já que Goldsmith se havia desentendido e abandonado o projecto), Grohl indagou o baterista das digressões de Alanis Morissette, Taylor Hawkins, sobre a possibilidade de indicação de algum músico da sua confiança; para sua surpresa Hawkins voluntariou-se para a banda.

Em Setembro de 1997, em frente a uma multidão imensa no MTV Video Music Awards, Pat Smear anunciou sua saída da banda e introduziu o seu substituto, Franz Stahl. Ainda antes da gravação do terceiro álbum There Is Nothing Left to Lose, Stahl saiu da banda alegando divergências musicais. Após diversas audições foi escolhido como substituto Chris Shiflett. Primeiramente como músico para actuações ao vivo, Shiflett tornou-se membro integral antes da gravação do álbum. Antes do lançamento de There Is Nothing Left to Lose o então presidente da Capitol, Gary Gersh, foi forçado a sair da editora. Dada a longa história de Grohl com Gersh, a banda também saiu da editora para entrar na RCA. Posteriormente Gersh uniu-se ao ex-empresário dos Nirvana, John Silva, para formar a GAS Entertainment, uma empresa que gere os Foo Fighters e outros artistas como Jimmy Eat World, Beck e Beastie Boys. Entretanto, o grupo estabeleceu contacto com os membros sobreviventes da banda de rock Queen. No começo do ano, o guitarrista Brian May participou na versão de “Have a Cigar”, original dos Pink Floyd, que foi incluída na banda sonora do filme Mission Impossible 2. Quando os Queen foram distinguidos no Rock and Roll Hall of Fame, em Março de 2001, Grohl e Hawkins foram convidados para se juntarem à banda em “Tie Your Mother Down”, com Grohl a assegurar a voz. Em 2002 May tocou em “Tired of You” e “Knucklehead”. No final de 2001 a banda gravou o quarto álbum. Após quatro meses em Los Angeles para completar as gravações Grohl passou algum tempo com os Queens Of The Stone Age para completar o album Songs For The Deaf (2002). Assim que o trabalho terminou, Dave, inspirado pelas sessões de estúdio, pensou em adicionar novas faixas ao então terminado álbum dos anunciou sua saída da banda e introduziu o seu substituto, Franz Stahl. Ao invés disso, o álbum foi completamente regravado em dez dias no estúdio pessoal de Grohl em Virginia. One by One foi lançado em Outubro de 2002. A banda sempre evitou posicionar-se politicamente.
Contudo, em 2004, ao saber que a campanha presidencial de George W. Bush estava a usar “Times Like These”, Grohl decidiu apoiar publicamente a campanha de John Kerry. Em Junho de 2005 foi lançado o álbum duplo de estúdio In Your Honor. Grohl citou que o álbum duplo (um com faixas eléctricas e outro com temas acústicos) era uma comemoração do décimo aniversário da banda. Durante a promoção do álbum Grohl – que é fascinado por OVNIs – teve a oportunidade de actuar no Roswell International Air Center in Roswell, Novo México. O local terá sido supostamente palco da queda de uma aeronave alienígena em 1947. A banda decidiu organizar pequenas digressões acústicas em 2006, incluindo o ex-guitarrista Pat Smear, Petra Haden no violino e Rami Jaffee dos The Wallflowers no piano e teclado. Em Novembro a banda lançou seu primeiro álbum ao vivo, Skin and Bones, com quinze faixas seleccionadas em três concertos em Los Angeles. Um DVD foi lançado logo depois, e apresenta faixas não disponíveis no CD. Em 25 de Setembro de 2007 a banda lançou o seu mais recente álbum, Echoes, Silence, Patience and Grace, pela RCA Records. Neste novo trabalho eles voltaram a trabalhar com o produtor Gil Norton, que não produzia um disco dos Foo Fighters desde 1997. O álbum já conta com dois singles, “The Pretender” e “Long Road To Ruin”. As suas passagens por Portugal ao longo dos anos têm sido alvo de críticas positivas, com concertos lotados e descargas vigorosas de rock, energia e muita emoção.

Citação:
«Nós sentimos a falta do nosso querido amigo Kurt. Sentimo-nos muito gratos por termos tido a oportunidade de colaborar com um artista tão talentoso.»
«…eu não tenho de levar o estilo de vida convencional do rock’n’roll. Eu tenho uma casa realmente modesta. Eu tenho os mesmos amigos desde os sete anos de idade, e uma noite boa para mim é um concerto, uma pizza, um DVD e uma boa cama quente…eu deixei de usar drogas aos 20 anos. Faziam-me sentir esquisito…sentia que não precisava delas…eu fumava erva e tinha ataques de pânico….detestaria ver a minha música sofrer por causa das drogas…mas claro que não me importo de beber meia garrafa de whiskey de vez em
quando se estiver com amigos.»
Dave Grohl no programa Enough Rope, de Andrew Denton, em 30 de Maio de 2005.

© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

OS MONGES DO FUNK - RED HOT CHILI PEPPERS

Nº74 MOTO REPORT Fevereiro 2008
Anthony Kiedis (voz), Flea (baixo), Chad Smith (bateria) e John Frusciante (guitarra),eis a actual formação dos RHCP e aquela que tem sido responsável, ao longo dos anos, pelos maiores sucessos da banda. Mas a história começa mais atrás, no longínquo ano de 1983, em Los Angeles. Sim, os Red Hot estão quase a celebrar as bodas de prata.

OsRHCP têm o seu embrião em 1979, nos intervalos das aulas em Fairfax High School, Hollywood, Los Angeles. Os garotos de 15 anos, Michael Balzary (Flea), Hillel Slovak e Jack Irons eram três amigos que tinham algumas ambições musicais e formavam uma banda chamada Anthym. Um dos grandes admiradores dessa banda era Anthony Kiedis, também amigo de infância de Flea, Hillel e Irons. Em Abril de 1983 nascem os RHCP, ainda com o nome Tony Flow And The Miraculousy Majestic Masters Of Mayhem, a partir de uma ideia súbita de Anthony Kiedis, e com ele Flea, Hillel Slovak (guitarra) e Jack Irons (bateria) apresentam-se num clube de Los Angeles. A princípio seria só uma brincadeira, mas o resultado foi bom e passaram a fazer mais actuações, baptizando a banda para Red Hot Chili Peppers. A explicação para o nome é, aliás, bem curiosa. Consta-se que eles adoravam comida mexicana com bastante pimenta (chili) e que Flea era fã da banda de apoio de Louis Armstrong (os Red Hot Peppers). Juntando os condimentos, o quarteto californiano encontrou o seu próprio nome. Anos depois uma banda inglesa, formada no início dos anos setenta, chamada Chili Willy And The Red Hot Peppers tentou acusá-los de lhes terem copiado o nome. A banda, aos poucos, foi conseguindo juntar elementos de diversos géneros musicais, tais como punk rock, funk, rock alternativo e rock psicadélico. São também reconhecidos por inserirem ritmos de hip-hop em várias faixas do seu repertório. Ao fim de alguns meses o guitarrista Jack Sherman e o baterista Cliff Martinez entram para a banda, mas em 1985 são substituídos pelos elementos originais. Durante a digressão Freaky Styley, em 1986, Kiedis toca pela primeira vez em Grand Rapids, a sua cidade natal, e tem a brilhante ideia de entrar em palco todo nu com o pénis enfiado numas meias (daí a expressão “Cocks On Socks”), o que acaba por ser um escândalo na sua cidade, tornando-o na “ovelha-negra” para o público de lá. Em 1986 Anthony Kiedis e Hillel Slovak usam heroína numa base regular. Este problema viria a ditar a morte do guitarrista em 1988. Já Kiedis, alternava o consumo com cocaína. Kiedis tinha perdido qualquer noção da realidade e entregara-se às drogas totalmente. Ele andava por becos e tinha contacto com alguns gangs. Chegou ao ponto mais baixo da sua vida e passou a consumir drogas debaixo de uma ponte no centro de Los Angeles. Não se alimentava, não dormia, não tomava banho, tudo na sua vida se resumia à droga. Nesta época eles fizeram a pior digressão da história da banda e Kiedis foi convidado a retirar-se por causa do seu vício. Flea aconselha-o a fazer um tratamento. É nessa altura que o vocalista percebe que as drogas não eram mais diversão e que tinham invadido por completo a sua vida. Kiedis vai tratar-se e conta com a ajuda de seu pai. Durante a passagem pela clínica ele experimenta a acupunctura e esta acaba por se revelar um meio alternativo de aliviar a sua tensão. Sai limpo da clínica, escreve “Fight Like a Brave” e retorna aos RHCP. Após a morte de Hillel, a banda decide reunir-se e é então que descobrem um novo guitarrista, John Frusciante de apenas 18 anos que, além de ser grande fã dos Peppers e de Hendrix (um ídolo para todos os membros, principalmente Flea, que tem a cara de Hendrix tatuada no seu ombro esquerdo), praticava cerca de quinze horas por dia. Quando aconteceu o primeiro concerto com a banda, os fãs não acreditaram que ele nunca tivesse tocado com os RHCP antes. «John era absolutamente um clone de Hillel. Ele não toca somente igual ao Hillel, ele movese como o Hillel...», disse Alain Johannes. Coincidência ou não, John tinha realmente todo o estilo de Hillel, pois era seu fã. Depois de muito procurar, também encontram um novo baterista, Chad Smith, que veio de Detroit. Nesta fase começa o período dourado da banda. Os trabalhos que vão desde Blood Sugar Sex Magik (1991) até Stadium Arcadium (2006) correspondem ao expoente máximo dos RHCP, tanto em termos criativos como em relação ao triunfo comercial. A formação actual remonta a de 1991, com excepção feita para o período compreendido entre 1992-1998, onde Frusciante abandona a banda devido à sua dependência de heroína (entra Dave Navarro dos Janes Addiction). Frusciante esteve praticamente à beira da mor te, e os vídeos que surgem no YouTube a documentar este período da sua vida são bem esclarecedores. Com o retorno do guitarrista à sua banda de sempre, com todos os elementos a optarem por um estilo de vida saudável, e cada vez mais virados para a meditação transcendental, os trabalhos discográficos e as digressões tem sido cada vez melhores, e a prová-lo está a actuação no último Rock In Rio-Lisboa em 2006.

De moto:
Chad Smith, no documentário Funky Monks, no percurso de casa para o local das gravações
de Blood Sugar Sex Magik, aos comandos da sua Harley-Davidson.

«Estávamos a deixar as coisas fluir, ensaiando e escrevendo material novo [NR: que viria a ser o disco One Hot Minute]. Entre outras coisas, cada um de nós comprou uma Harley-Davidson. Chegámos mesmo a formar um gang…»
Anthony Kiedis em Scar Tissue, a sua auto-biografia (pág. 318).
E segundo o mesmo livro, era na sua moto que Anthony Kiedis rumava à baixa de Los Angeles para comprar heroína e cocaína. Isto passou-se ao longo de vários anos.

Citação:
«Ela dominava. Fazia coisas do tipo ir encher a boca com água quente do chuveiro para depois vir ter comigo e fazer-me sexo oral. O que terei eu feito para mereceruma experiência tão boa?»
Anthony Kiedis sobre Karen, a irmã de Flea, em Scar Tissue (pág. 59).
Porreiro pá! O que tu fizeste para merecer…não sei, mas diz lá ao Flea para me apresentar a irmã dele…
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

SCHWENKLER – O MAGO DO 3D

Nº74 MOTO REPORT Fevereiro 2008
Nº47 MAGIK TUNNING PLUS Março 2008

Na edição anterior revelámos o talento de um jovem português e a sua paixão pela criação de motos através do método da realidade virtual. Nesta edição terminamos o tema mostrando aquilo que será o expoente máximo, ao nível mundial, e aquilo que um homem e um computador, juntos, são capazes de fazer. Fomos ao encontro de quem faz das suas criações 3D um modo de vida. Na América, Russ Schwenkler (ou “Dangeruss”, que é como gosta de ser chamado no meio), fez uma pausa no seu trabalho para nos revelar alguns segredos da sua magia.

«Sempre tive um fascínio enorme por tudo o que estivesse relacionado com veículos. Em criança coleccionava miniaturas e desenhava eu próprio veículos agressivos. Agora que tenho 46 anos, tenho de admitir… faço a mesma coisa. É engraçado ter conseguido combinar o meu trabalho artístico com o entusiasmo que tenho por máquinas com motor. Profissionalmente os meus desenhos destinam-se a empresas de desenvolvimento na indústria do car tuning, fabricantes de brinquedos, fabricantes de jogos para PC e consolas, e empresas de web design.»

MOTO REPORT: É motociclista?
DANGERUSS: Sou desde 1986. Tive uma data de motos desportivas. A última foi uma Suzuki GSXR1000, com muita potência e muitas alterações personalizadas. Infelizmente os ladrões entraram na minha garagem e levaram-na. Limparam tudo desde os meus capacetes, fatos de cabedal, ferramentas, etc. Ainda não a substituí, mas a nova Ducati 848 é bastante tentadora. Fora as motos sou praticante regular de BTT.
MR: Quando se iniciou no 3D?
D: Foi em 1990. Tive de aprender modelação 3D para o meu emprego de então. Comecei com o 3D Studio® para o MS-DOS®. Na altura não havia o Google®, por isso eu não podia pesquisar pelas centenas de recursos que existem hoje em dia, à distância de um clique. Aprendi por tentativa e erro. Eu sou um admirador do estilo realista (pintura) e com o 3D conseguimos atingir um nível de realismo muito bom e com menor esforço do que se utilizássemos as técnicas de pintura. Há partes da modulação 3D que são comuns, e por isso são aproveitadas. As opções para acrescentar brilho, reflexos ou sombras, simplificam muito o trabalho. É claramente melhor para o artista.
MR: Por que precisam os seus clientes de imagens 3D dos produtos que eles próprios fabricam?
D: Eu tenho trabalhado com todos os vectores (principais, complementares e derivados) da indústria automóvel. Muitos clientes vêm ter comigo para que eu conceba algo que vai existir, mas ainda não existe. Eles esperam, ou necessitam, ver um conceito ou uma imagem antes de ela ser transposta para o mundo real. Por exemplo, a capa e o material promocional de um jogo de corridas para a X-BOX 360® necessitava de um determinado carro. O carro não existia na vida real, mas era importante que aparecesse e que mostrasse uma lista específica de patrocínios, determinadas cores, e que estivesse inserido num ambiente gráfico altamente estilizado. O carro tinha de parecer altamente real, preferencialmente tinha de aparecer numa situação de velocidade. Ora, usando técnicas de modelação 3D, foi-me possível criar este ambiente de fantasia, não sendo portanto necessário construir um carro real, pagar a um piloto e a um fotógrafo, alugar o espaço e retocar o resultado final.
MR: Quanto custa desenhar uma moto?
D: A resposta a essa pergunta não é simples. Para um projecto 3D normal, facilmente despendo quarenta horas para moldar as formas, mais doze horas para acabamentos realísticos e materiais. Como cobro aos clientes por hora, quase sempre os trabalhos ultrapassam os 2.600 euros, mas tudo depende do nível de detalhe. É como quando vamos comprar uma casa.
MR: Que software usa actualmente?
D: Desde o início da minha carreira que uso 3D Studio® e o 3D Studio MAX® da Autodesk®. Já devo ter actualizado as versões mais de uma dúzia de vezes. Para mim, são as que funcionam melhor pois, como ferramentas, são muito poderosas e a capacidade de integrar situações e contextos é literalmente infinita. Para arte digital 2D uso, maioritariamente o Adobe Photoshop CS2® e recorro ao Adobe Illustrator® para tarefas tecnicamente mais precisas como logótipos.
MR: E hardware? A renderização de imagens pode demorar horas infindáveis…
D: Com efeito é preciso alguma potência ao nível da máquina. Actualmente uso 2 processadores Intel® Core Duo® a 3.0GHZ com 4GB de RAM e uma placa gráfica aceleradora bastante dispendiosa. Trabalho em simultâneo com dois monitores Flat-Panel de 22 polegadas.
MR: Que parte do seu trabalho o entusiasma mais?
D: Eu gosto muito de dois aspectos do meu trabalho. Primeiro, é a arte realística. Entusiasma-me criar imagens que mais tarde podem passar a fotos. Adoro incluir o máximo de detalhes possível. Segundo, e em oposição, adoro desenhar motos e outros veículos fantásticos e agressivos, com aerodinâmicas exageradas e pormenores de competição acima da média. Muitas vezes esses veículos têm origens muito humildes. É engraçado pegar num Fiat e transformá-lo num carro de corridas de milhões de dólares.
MR: Já alguma vez criou uma moto para si ou alguém pegou numa das suas motos originais e a mandou construir?
D: Eu não faço muitas criações originais. A maior parte do meu trabalho assenta em desenhos já existentes, ou em modificações dos mesmos. Portanto não há nenhuma criação original minha a rodar na estrada. Mas estou a trabalhar com um australiano que quer produzir um Super Car baseado num Corvette. Tenho-me dedicado à parte da carroçaria. Se alguma vez ele conseguir realizar o projecto será espantoso!
MR: Qual a relevância actualmente do 3D?
D: Nenhuma moto é construída sem ferramentas 3D CAD (Computer Aided Design). A visualização 3D é usada em muitos sectores para produzir imagens indistinguíveis de fotografias. São usadas em anúncios de TV, outdoors, filmes de cinema etc. Os construtores de motos conseguem mostrar imagens das suas mais recentes criações antes mesmo de os protótipos estarem construídos. Com este recurso, os fabricantes conseguem determinar a dimensão ideal para os componentes das suas motos, como se interligam com outros componentes, quais as cores que jogam melhor, que tipos de jantes servem os melhores propósitos das motos, qual a suspensão mais adequada, e tudo isto sem a moto estar ainda construída. Depois de construída, em termos reais, e como disse, acaba por ser mais barato recorrer a imagens 3D do que expedir uma moto para um local exótico e preparar uma vasta equipa técnica para fotografá-la.
MR: Vê-se a si próprio mais como um artista ou como um especialista gráfico?
D: Creio que um pouco de cada. Para mim 3D e arte digital são formas de arte perfeitamente legítimas. Como para criar imagens 3D é necessária uma grande dose de técnica, acontece que a actividade não é tanto encarada do ponto de vista artístico, mas mais como uma sequência de inputs precisos. Quem manipula 3D tens de criar, literalmente, ou tem de instruir a aplicação para produzir absolutamente tudo. Todos os objectos de cena têm de ser introduzidos, os materiais aplicados, luzes, reflexos, sombras, cenários, operação de câmara, texturas, ângulos, efeito atmosférico, etc. E para tudo isto não há nos programas um botão que diga: “Fazer Arte”.
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

MODELAÇÃO 3D - CRIATIVIDADE MADE IN PORTUGAL

Nº73 MOTO REPORT Janeiro 2008

Hélder Rodrigues reside em Vila Nova de Gaia e ocupa os seus tempos livres criando, por computação gráfica, protótipos tridimensionais de motos que a sua imaginação vai concebendo. Sem qualquer pretensão comercial, partilha estas motos de sonho com quem queira visitar o seu blogue, http://3dabrincar.blogspot.com/. Por mera carolice e paixão, mas a um nível de criatividade tal que poderá, eventualmente, criar inveja a alguns designers de
conceituadas marcas internacionais.


Génesis
«Sempre adorei desenhar. Não é a toa que sou desenhador de profissão. E então passava a vida a desenhar motos e carros e adorava aquilo. Até que certo dia estava a ver um programa de televisão sobre a evolução das motos e aparece uma imagem de um desenhador a trabalhar num modelo 3D de uma moto. Achei aquilo tão interessante que comecei logo a pesquisar com amigos e familiares sobre os programas de 3D. Infelizmente foi em vão, porque comecei a aperceber-me da complexidade dos mesmos e do difícil que era aprender a trabalhar com eles. Como também, na altura, não tinha a possibilidade de ter um computador… nada feito. Mas não desisti e alguns anos mais tarde comecei, no meu trabalho, a utilizar um programa de desenho em computador, o AutoCAD®, que me ajudou a começar a desenvolver os conhecimentos necessários para me iniciar, finalmente, no 3D. Depois de muitas horas, a experimentar e a aprender sozinho, sobre como dar a volta aos problemas que encontrava, surgiu a oportunidade de começar a sério no mundo maravilhoso do 3D. Para primeiro trabalho escolhi construir, de raiz, uma moto a partir de um modelo que tinha em casa. Nada mais do que uma NSR 250R de competição. É claro que não ficou nada de especial e nem a consegui acabar, mas para mim era um orgulho enorme mostrar a minha obra a toda a gente. Parecia uma criança que conseguiu descer um escorrega sozinha, e só queria que toda a gente visse. Mas a criança já tinha 27 anos…»

Percurso
Hélder Rodrigues tem evoluído de forma sustentada. Hoje em dia continua a utilizar o Auto-CAD®, para a parte da modelação e concepção dos modelos, mas usa também o 3DStudio®, para a parte final de aplicação de materiais e criação de imagens que na gíria são conhecidas por renders. Depois utiliza o PhotoShop® para, apenas, colocar as referências do modelo, no topo das imagens. Para cada modelo despende entre uma semana a dois meses, conforme a disponibilidade que tem e a complexidade do trabalho. A falta de tempo é precisamente o motivo que o tem impedido de “migrar” as suas motos do suporte virtual para um suporte físico, mesmo à escala. Como Hélder refere: «entre idealizar novas motos ou construir fisicamente o modelo, tenho optado sempre por idealizar
novas motos.»

Futuro
Em relação aos planos de futuro, este criador é peremptório: «Vou continuar a criar as minhas motos. Estão-me sempre a surgir novas ideias e, com calma, vou concretizando e publicando no meu blogue para que todos as possam ver.»

Sonho
«Eu penso que quem tem gosto e desenha motos originais, tem sempre o desejo de um dia as ver concretizadas. É esse também o meu desejo. Gostaria muito de um dia as trazer à realidade (nem que fosse um único modelo). Quem sabe um dia... É uma esperança que não quero perder.».

HR9 GP (o “GP” já diz tudo…)
«Quando comecei esta moto não tinha na ideia designá-la de GP (Grand Prix). Isso surgiu logo no instante em que modelei a carenagem frontal e me apercebi que com uns pequenos ajustes poderia fazer uma moto de competição pura e dura, ao estilo MotoGP.» Pura e dura, mas também elegante e viva, acrescentamos nós.

STF (a pioneira)
A primeira moto que concebeu de raiz foi criada com a intenção de concorrer a uma iniciativa, promovida pela Ducati, que se chamava Design Your Dream Ducati. Para base dessa moto usou um característico quadro em treliça. Quanto à escolha do modelo, tinha que ser algo que a marca ainda não possuísse, portanto, pensou em inventar um modelo ao estilo street-fighter.

STF II (a evolução da pioneira)
É a evolução do primeiro modelo, mas só tem mesmo a designação em comum. Tudo o resto é diferente, a começar pelo look, bastante mais agressivo e bem ao estilo das street-fighters mais radicais. A suspensão da frente é uma evolução da ideia iniciada na HR3 Minotaur, tendo o Hélder Rodrigues optado, neste caso, por colocar apenas um apoio na roda, sendo a traseira também constituída por um mono-braço, prestando maior destaque à jante.

STF II R (a racing)
Esta é a versão “R” da STF II. Hélder Rodrigues explicou-nos que «as carenagens laterais foram aumentadas para que, conjuntamente com a frontal, proporcionassem uma melhor protecção aerodinâmica. Foi também incluído um deflector por baixo da moto que contribuirá para a estabilidade em altas velocidades. Claro que se este modelo fosse real, nesta versão, o motor, as suspensões e outros componentes teriam que ser melhoradas.»

HR10 V8 (ousada)
«Cada vez mais se começam a ver mais propostas de nakeds potentes e imponentes das grandes marcas. Então resolvi criar uma moto nessa linha de orientação mas distinta das demais. Foi assim que surgiu a ideia de um motor V8, algo exagerado se calhar, mas, na realidade, um compacto motor longitudinal de 8 cilindros em V com uma cilindrada de 1400cc e uma potência desejável de cerca de 200cv. No aspecto geral da moto a minha maior preocupação foi a de criar uma silhueta muito elegante e fluida mas ao mesmo tempo com um aspecto robusto. Na realidade se esta moto fosse construída seria um pequeno monstro…»

HR8 Shark (inspiração marinha)
Quando Hélder Rodrigues começou a esboçar esta moto, pretendia dar-lhe um aspecto algo diferente daquele a que normalmente se associa uma moto semi-carenada. «As linhas da carenagem fazem lembrar a zona da boca de um tubarão e é daí que vem o nome deste modelo», refere. Esteticamente é um modelo que se caracteriza por uma zona frontal bastante elegante e robusta contra uma traseira minimalista. O seu autor adianta ainda que «a panela de escape está colocada por baixo do motor por dois motivos: para retirar as ponteiras da lateral da moto, para que se acentue o aspecto limpo da traseira, e por causa da distribuição de massas. Deste modo todo o peso está equilibrado o que dará, também, um maior equilíbrio dinâmico. A panela de escape, devido ao seu formato, serve também de deflector de ar.»

HR3 Minotaur (a criação que deu mais gozo)
«Esta foi a moto que me deu mais gozo fazer e foi a única cuja construção e resultado final ficou exactamente como a tinha imaginado. É que por vezes imagino uma coisa mas depois, na fase de modelação, é complicado dar a forma de maneira a ficar exactamente como a tinha imaginado.»

HR11 Evolution (a sucessora da HR3 Minotaur)
Como a HR3 Minotaur recolheu muitos comentários elogiosos, Hélder decidiu-se a criar uma nova moto a partir da ideia base utilizada na HR3. «Da HR3 ficou apenas o conceito e as jantes, tudo o resto foi feito de novo e ao contrário do sucedido com a Minotaur, foi tudo pensado para que no final a moto ficasse bem mais fluida e funcional», acrescenta. queno monstro…».

HR7 (a mais… normal)
Uma desportiva de linhas agressivas. É provavelmente a moto mais equilibrada em todo o seu conjunto.


© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

IGGY POP - O PADRINHO DO PUNK ROCK

Nº73 MOTO REPORT Janeiro 2008

James Newell Osterberg Jr., actualmente com 60 anos de idade, assistiu em 1967 a um concerto dos The Doors, na Universidade do Michigan, que o haveria de influenciar para o resto da vida. Em vez de copiar a atitude de Jim Morrison em palco, optou por fazer desse o seu ponto de partida, exagerando-o e distorcendo-o até ao limite.

Iggy Pop é um cantor rock e, ocasionalmente, também actor.
Começou a sua carreira musical como baterista em diversas bandas do ensino secundário em Ann Arbor, no Michigan. Uma dessas bandas foram os “The Iguanas”, donde terá adaptado o seu pseudónimo Iggy. Depois de explorar bandas locais de blues, como os Prime Movers, acabou por sair da Universidade do Michigan e mudou-se para Chicago para aprender mais acerca desse estilo musical. Inspirado pela onda do Chicago Blues, assim como pelas bandas “The Sonics e The MC5, formou os Psychedelic Stooges, passando nessa altura a ser denominado de Iggy Stooge.

As suas performances ao vivo sempre foram míticas e… caóticas. Aos seus movimentos frenéticos em palco juntam-se outras exibições de cariz mais radical como sejam vomitar, despir-se, mutilar-se com objectos cortantes e ainda o bem conhecido stage-diving (o mergulho do palco para a multidão do qual é, em abono da verdade, o seu inventor).

Nesta fase, os problemas de Iggy Pop com as drogas agudizaram-se. A sua dependência de heroína terá sido inclusivamente o motivo de separação da banda logo após a saída do segundo disco (agora com o nome abreviado para The Stooges). Para mais, as vendas até à data haviam sido fraquíssimas, segundo os critérios da Elektra Records.

David Bowie juntou-se ao colectivo para ajudar a produzir o terceiro álbum do grupo. Contudo, com a banda absolutamente instável devido ao álcool e às drogas, o seu talento acabou por não sobressair. A dada altura, neste período, durante um concerto, a banda envolveu-se em confrontos físicos com um grupo de bikers (documentado no registo ao vivo Metallic KO), e a sua carreira foi então suspensa por alguns anos.

Em 1975 Iggy Pop falhou, pela primeira vez, em superar a sua adiçãodependência, já que esteve internado no Instituto Neuropsiquiátrico da Universidade da Califórnia em Los Angels, onde David Bowie – que era uma das suas visitas regulares – acabou por, nalgumas ocasiões, lhe entregar precisamente… mais droga. Em 1976 deu entrada numa clínica psiquiátrica em Berlim para uma tentativa de se reabilitar de vez dos vícios de que padecia. David Bowie radicou-se também em Berlim, por essa altura, e terá continuado a ser uma das poucas visitas de Iggy Pop na clínica.

Em 1977 Iggy Pop lançou dois álbuns em nome próprio. São trabalhos basilares da sua carreira a solo, e contam com a intensa intervenção de David Bowie na produção, tendo também tocado teclados ao vivo. Temas como “The Passenger” e “China Girl” (este último mais popularizado por Bowie alguns anos depois) são fruto deste período de trabalho em parceria. Pop haveria de contribuir, também nesse ano, com coros e vocalizações incidentais para o álbum Low do seu amigo e produtor britânico.

Entre 1979 e 1981, deu-se o lançamento de New Values, Soldier e Party, sendo que o primeiro deles conta com a participação do guitarrista dos The Stooges, Scott Thurston. Os dois últimos trabalhos foram ambos fracassos comerciais. Por seu turno, a toxicodependência de Iggy Pop tinha abrandado, mas não desaparecido.

No decurso da década de oitenta havia ainda de trabalhar com Steve Jones (ex-guitarrista dos Sex Pistols), com quem fez uma versão bem sucedida do tema “Wild One (Real Wild Child)”, original de Johnny O’Keefe, editado em 1959.

Os anos noventa trouxeram sete trabalhos em nome próprio (quatro originais, um ao vivo, e duas compilações) e um disco com os The Stooges. Esta é também a década onde se deram as principais incursões no cinema, quer por via da representação, quer por via das bandas sonoras, como foi o caso de Trainspotting onde “Lust for Life”, tema-título de 1977, foi incluído.

Já em pleno século XXI, Pop mantém-se pleno de actividade e criatividade, interagindo em várias ocasiões com diversos artistas, ora como convidado, ora como anfitrião, como sejam os casos de Madonna e Green Day, respectivamente.

Iggy Pop é, ou foi, ao longo do tempo, influência artística para muitos compositores. Desde os Joy Division aos Nine Inch Nails, ou de Mark E. Smith a Henry Rollins. Nick Cave e Jack White mencionaram ambos que Fun House, dos The Stooges, terá sido dos melhores álbuns rock de sempre. Já os Red Hot Chili Peppers fizeram referência a Iggy na sua canção “Coffe Shop”. Kurt Cobain, fã confesso dos The Stooges, referiu que Raw Power era o seu disco favorito da banda.

The Passenger é um filme biográfico sobre a juventude de Iggy Pop e o início dos The Stooges que está neste momento a ser produzido, pelo que chegará previsivelmente às salas de cinema durante 2008. Elijah Wood (o Frodo de O Senhor dos Anéis) encarnará a personagem do punk-rocker, tendo sido obrigado a perder uns quilitos para que o papel lhe assentasse que nem uma luva. Aguardemos.
DISCOGRAFIA
Com os The Stooges:
1969 - The Stooges
1970 - Fun House
1973 - Raw Power
1977 - Metallic K.O.
1995 - Open Up and Bleed
2007 - The Weirdness
A solo, em estúdio:
1977 - The Idiot
1977 - Lust for Life
1979 - New Values
1980 - Soldier
1981 - Party
1982 - Zombie Birdhouse
1986 - Blah Blah Blah
1988 - Instinct
1990 - Brick by Brick
1993 - American Caesar
1996 - Naughty Little Doggie
1999 - Avenue B
2001 - Beat 'Em Up
2003 - Skull Ring
A solo, ao vivo:
1978 - TV Eye Live 1977
1994 - Berlin 91
1996 - Best Of...Live
Compilações:
1996 - Pop Music
1996 - Nude & Rude: The Best of Iggy Pop
2005 - A Million in Prizes: The Anthology

Citação:
«Se penso na minha pila? A toda a hora.»

in Rolling Stone
Ora, quem diz a verdade não merece castigo!

Imperdível no You Tube:
Uma entrevista desconcertante, onde Iggy Pop se apresenta em estúdio visivelmente alterado, mostrando o quão genial ele é a inventar desculpas esfarrapadas para as maleitas físicas que vai exibindo. Sem complexos e sem comentários…
IGGY POP INTERVIEW TOM SNYDER SHOW 1980
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Neander 1400cc Turbo Diesel

Nº72 MOTO REPORT Dezembro 2007
O diesel como nunca o vimos,
numa moto que nunca imaginámos

Volta e meia há quem tenha a ousadia de afirmar que um motor a diesel casaria na perfeição com uma custom cheia de estilo. É um tema que gera sempre polémica e, logo de seguida, temos conversa para várias horas, por exemplo, à mesa de um café. Sendo, ou não, um mero golpe de vista, o que é certo é que na Alemanha (pátria de duas tecnologias universalmente disseminadas: motor a 4 tempos e motor a diesel) alguns engenheiros investiram tempo e dinheiro na criação de uma cruiser a gasóleo, permitindo-nos alimentar, mais uma vez, a tal velha discussão, mas desta feita, com contornos práticos. Foi mais uma ideia que se materializou.


Os motociclistas têm, em regra, uma opinião relutante no que toca aos motores diesel, geralmente devido às menores prestações, ao elevado volume e peso do bloco e até mesmo ao som produzido. Em 1890, Rudolf Diesel revolucionou o sector rodoviário, com a sua invenção do motor com explosão por compressão e, desde então, esse tipo de motorização tornou-se num dos pilares do conceito de mobilidade. Na verdade, esta tecnologia beneficia de um menor volume de emissões poluentes para a atmosfera e de um consumo de combustível, em média, 30% mais baixo do que o de um motor equivalente a gasolina (que utiliza, portanto, uma vela para produzir faísca, e assim conseguir a explosão). Deste modo são compensadas algumas das desvantagens desta tecnologia, tal como o aumento do ruído, a vibração mais elevada, os maiores custos de produção ou o maior peso e volume. Embora com um consumo mais vantajoso, os motores diesel requerem uma mais complexa e robusta construção, tornando-os até agora inadequados para determinadas aplicações, tais como aeronaves e motociclos.

O que há de novo
Surge então o fabricante alemão Neander Motors com planos para mudar todo o preconceito, graças ao seu inovador motor diesel de 1430cc turbo-alimentado, com dois cilindros em linha, desenvolvido por Rupert Baindl. O seu irmão mais novo, de 750cc, que, de acordo com Baindl, conseguiu uma extraordinária relação de 115cv às 12.000 rpm, foi o embrião para o projecto seguinte com vista à criação de um propulsor de 990cc mas que nunca chegou ao seu término. Todavia, com a obstinação do mentor destes dois projectos, foi este o passo que faltava, ainda que de gigante, para a construção da Neander 1400 Turbo Diesel. Na verdade, esta moto é uma cruiser esteticamente semelhante a muitas produções americanas e japonesas mas, em vez de um mais vulgar VTwin, está equipada com um dois cilindros em linha, para mais a… diesel. São 1430cc reais refrigerados a ar e óleo, com dois cilindros de 108mm x 78,2mm, com oito válvulas no total (quatro de admissão de 35mm e quatro de escape de 30mm) e DOHC (dupla árvore de cames à cabeça), A admissão da Neander é canalizada verti calmente para baixo, no centro da cabeça, entre as àrvores de cames, enquanto que as quatro válvulas de escape são possuidoras, cada uma, do seu tubo de exaustão (dois à frente do motor e dois na parte traseira), podendo dar a ilusão de se tratar de um motor de quatro cilindros. As saídas de escape são encaminhadas conjuntamente para um único turbo-compressor Garrett Intercooler, entregando uma pressão máxima de 1,4 bar, para um catalisador de 3 vias montado na frente do motor. A injecção, por sua vez, é directa e trata-se de uma Bosch EFI. Equipada com uma caixa de seis velocidades, curiosamente com as mesmas relações da Aprilia RSV1000R e embraiagem multidisco, debita 112cv às 4.200rpm e produz um binário de 214Nm às 2.600rpm. Contudo a Neander Turbodiesel, no que toca aos componentes de “moto” propriamente ditos é surpreendentemente convencional e recorre a um quadro desenhado pelo especialista em personalizações Gunther Zellner.

Porquê diesel?
A pergunta, no entanto, impõe-se: por que é que a Neander é assim? Porquê um motor diesel? É Lutz Lester quem explica: “Phillip Hitzbleck de Neander detinha os direitos de autor de uma famosa banda desenhada alemã, cujo protagonista era uma personagem chamada Werner. Trata-se de um motociclista de má vida, que adora a liberdade, está sempre em apuros com a polícia e é doido por cerveja. Tornou-se uma figura de culto na Alemanha. Houve inclusivamente dois filmes sobre ele na década de 1990, e eventos variados, capazes de mobilizar um total de 250 mil pessoas em torno desta personagem. Porém, em 1999 Phillip Hitzbleck quis levar a marca de Werner para outro nível, por exemplo, uma série televisiva. Foi mais longe ainda e criou um novo evento de motos na parte norte da Alemanha ao longo de três dias, com música, drag races, etc. Em todo o caso, para promover este evento tínhamos a intenção de levar a marca Werner ao MotoGP com a nossa própria moto, tendo mesmo decidido que se iríamos a estas corridas, o deveríamos fazer com algo completamente novo. Foi então que ouvimos falar sobre o dois cilindros em linha a diesel de Rupert Baindl. A ideia pareceu perfeita, mas não foi possível encontrar os parceiros suficientes para esta aventura. Foi quando Rupert disse que deveríamos era levar o motor para a rua e não para as pistas. Este poderia ser o primeiro motor turbo-diesel a nível mundial a equipar uma moto de série. Assim, em 2002 Phillip decidiu deixar a empresa Werner, investiu o seu próprio dinheiro para reiniciar a Neander, e formou uma equipa para criar uma moto a diesel de produção em série para que qualquer um a podesse comprar. Agora estamos prestes a testar o resultado.”

Acção!
Passar a perna pelo acento da Neander Turbo Diesel (a 64,7cm do solo) é relativamente fácil. Sentado, também não há a menor surpresa quando se pressiona o botão de “start”, uma vez que não há necessidade de pré-aquecimento como na velha geração diesel, pelo que estamos a um segundo do verdadeiro choque. Esta moto não está concebida para nos surpreender apenas no momento em que rola em estrada. Fá-lo logo a partir da altura em que se dá o arranque pela total ausência de vibrações devido a um mecanismo interno de compensação, cuja rotação de duas engrenagens em sentido contrário ao do motor anula a trepidação por ele produzida. Engrenando a primeira velocidade, sente-se a acção da suave embraiagem, e a moto abandona com elegância o seu lugar. O pico de potência da Neander surge só quando o conta-rotações aponta para as 2.000rpm altura em que o turbo-compressor entra em funcionamento. Há uma deliciosa entrega de potência a partir de então, com a curva do binário a atingir o seu máximo às 2.600rpm, mas mantendo-se praticamente horizontal até às 4.200rpm, altura em que potência e binário começam a abandonar-nos. Mas talvez a maior surpresa é a rapidez com que esta power-cruiser ganha rotação. Com uma compressão de 16:1 e um peso de 295 kg, a Neander atinge os 160 km/h a escassas 2.820 rpm e a velocidade máxima cifra-se nos 220 km/h. Graças a uma razoavelmente confortável posição de condução, extrema economia de combustível, impressionante binário e ausência de vibrações, esta moto é indiscutivelmente uma devoradora de quilómetros.

O canto do cisne
Realmente, a única desvantagem para este motor diesel de vanguarda é o som que produz, que, em abono da verdade, não é muito agradável, especialmente em plena aceleração. A questão nem é tanto pelo motor em si, mas principalmente pelo ruído produzido pelo turbo-compressor.

Balanço final
Os motores diesel têm avançado muito nos últimos dez anos, principalmente pela evolução conjunta dos turbo-compressores intercooler de geometria variável e injecção common-rail, tecnologias presentes na Neander. Qualquer que seja a bula por onde nos rejamos, esta moto é uma surpresa, não só pela sua mecânica única, mas também pela forma eficaz e eficiente com que aplica os benefícios do diesel ao desenvolvimento de um motociclo. Porém as surpresas e a exclusividade pagam-se caro. Neste caso pagam-se 95 mil euros…

Ficha Técnica
Potência: 112cv / 4.200 rpm
Binário: 214nm / 2.600 rpm
Aceleração 0-100km/h: 4.5 seg.
Velocidade máxima: 220km/h
Consumo: 4.5L / 100km
Caixa: 6 velocidades
Transmissão: Correia
Distância entre eixos: 1.920mm
Forquilha: 41mm (dupla)
Pneus Frente: 150/80R17 V
Pneus Trás: 240/40R18 H
Comprimento: 2.480mm
Altura Banco: 65mm
Peso: 295kg
Depósito: 14L
© Todos os direitos do texto estão reservados para MOTO REPORT, uma publicação da JPJ EDITORA. Contacto para adquirir edições já publicadas: +351 253 215 466.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008