sexta-feira, 31 de outubro de 2008

MERCADO MOTOCICLÍSTICO 2006-2007

Nº273 ANECRA Setembro 2008
Literalmente na cauda da Europa, Portugal parece dar sinais de por lá querer continuar no que ao sentido figurado da expressão concerne. O mercado motociclístico, ainda que palidamente a recuperar, não é – de todo – excepção.

O ano de ouro deste sector aconteceu em 1999. Com mais de dezanove mil motos matriculadas, nunca mais a história se repetiu. Hoje, quase uma década depois, os sintomas vaticinam que a façanha não torne a acontecer, pelo menos a breve trecho. Em 2002 e 2003 as quedas ocorreram, inclusivamente, a compassos de dois dígitos percentuais. Em 2006 o ciclo inverteu-se timidamente, com uma recuperação de 2%. Entre outros contributos, essa recuperação também sucedeu por força da entrada de novos concorrentes no mercado, oriundos do eixo China-Coreia, que com os seus produtos finais de baixo custo conseguiram não só penetrar no nosso mercado, mas, inclusive, expandi-lo minimamente. A nível europeu, por comparação no mesmo período, o nosso país manteve-se à margem da tendência verificada. Onde todos os outros aumentaram, nós reduzimos. Portugal, envolto num cinzentismo conjuntural, continua o cenário perfeito para o fracasso dos mais vulneráveis.

CICLOMOTORES
Este segmento reflecte, ainda que aparentemente, uma tendência diametralmente oposta à vigente no mercado em que está inserido. Parece ter crescido para o dobro de um ano para o outro. É certo que a entrada de fabricantes como a Keeway e a Kymco funcionou como dinamizador comercial, por via da introdução de novos modelos com preços de venda e manutenção muito competitivos, o que, em consequência, fez com que os fabricantes tradicionais e conceituados se vissem compelidos a reorganizar o seu portfolio em articulação com o modus operandi das suas estruturas no terreno. Porém, não estaria esta análise enviesada se não fosse o facto de, até meados de 2006, não haver a obrigatoriedade de registo de matrículas na antiga DGV (agora IMTT) para motos de cilindrada inferior a 50cc. Como era prática corrente, as matrículas até então eram emitidas pelas câmaras municipais, passando, desde essa data, a ser emitidas a nível central. Portanto, a análise de 2006 para 2007 é prejudicada em cerca de seis meses, que foram aqueles em que se venderam motos (ainda com os registos camarários) mas que agora não entram nas estatísticas. Já a análise de 2005 para 2006 seria absurda, pois representaria a transição do nada para o tudo…

A Keeway resulta numa aposta ganha. Apresenta taxas de crescimento anuais que só são possíveis porque a marca é nova no mercado. Ou seja, a montante, no seu negócio, tudo estava ainda por fazer. Deste modo, tanto a política de preços como a divulgação e promoção dos seus produtos nos fóruns próprios levaram a que rapidamente atingisse o primeiro lugar das vendas com o popular modelo Uricane 50. Perante os factos, somos levados a concluir que os produtos orientais não só chegaram, como também conquistaram o mercado nacional. Esta é, aliás, uma tendência de fundo noutros sectores da nossa economia global.

MOTOCICLOS
O motociclista português está todos os anos um ano mais velho. Não há “sangue novo” a entrar no sistema. O parque mantém-se estável, e com a falta de incentivos (ou com a criação de novos entraves) o “mundo das motos” já não seduz como seduziu em tempos. Uma tímida recuperação será o comentário mais fiel aos números apurados. Já 2006 havia sido um ano de ligeiras melhorias, porém, ambos, encontram-se muito distantes das mais de dezanove mil unidades matriculadas em 1999, o ano de ouro por excelência.

O modelo campeão de vendas foi a Hornet 600 da Honda, seguido da Yamaha FZ6 e da Suzuki GSXR 1000.

A preferência dos motociclistas lusos recai, maioritariamente, sobre modelos utilitários ou desportivos. As trail, cruisers e scooters constituem nichos num mercado já de si pequeno. Apesar dos circunstancialismos, o segmento das cruisers parece ter ainda bastante potencial. A atenção do público já se manifesta de forma diferente em relação a estas motos. Os motivos poderão ser de vária ordem, desde a crescente afluência destes modelos aos bike shows (o que suscita alguma curiosidade e admiração), à exibição de programas de tv sobre transformação deste género de motos, passando também pela aposta consistente da Harley-Davidson no marketing institucional e de produto.

Outro caso que se vai verificando com relativa frequência é o de motociclistas acidentados em motos desportivas que reequacionam o seu percurso, e optam por permanecer nas “duas rodas” aos comandos de “montadas” menos nervosas. É aí que as trail e as cruiser os poderão atrair.

Por seu turno, para deslocações citadinas, a versatilidade, a economia e a comodidade oferecidas pelas scooters de pequena e média cilindrada, são trunfos de peso para angariar novos adeptos, nesta era em que os custos do quilómetro percorrido e do minuto de estacionamento atingem máximos históricos.

MOTO4 & ATV
No segmento dos quadriciclos, a Yamaha, líder por excelência e tradição, foi pela primeira vez destronada. A Suzuki com o seu LTR 450 apoderou-se do primeiro lugar. A razão, segundo o próprio importador, prende-se com o facto de até 2007 a marca não possuir oferta direccionada a este segmento. Uma vez que ela foi disponibilizada, a liderança impôs-se naturalmente. Tanto mais que o segundo modelo no pódio surge sob a mesma insígnia, tratando-se do LTZ 400. A Yamaha aparece em terceiro lugar com o YFM 300.

DISTRIBUIÇÃO DO PARQUE SEGURADO DE MOTOCICLOS POR DISTRITOS
Todos os distritos, sem excepção, contribuíram para o aumento de quase dez mil unidades face a 2005. Continuamos a constatar uma predominância de motos no litoral, especialmente mais a norte (excepção feita, claro está, para o distrito de Lisboa, que é o maior concentrador do país). Faro, continua a ser a recordista de motos per capita, com apenas 42 habitantes para cada moto. Em termos absolutos, o Porto supera em dobro as motos de Faro, mas como tem mais do quádruplo da população, a relação final dos habitantes com as motos revela-se, em termos relativos, de menor expressão.

EVOLUÇÃO DO MERCADO EUROPEU
O mercado europeu, tal como o português, bateu no fundo em 2002. A diferença é que o primeiro, daí em diante, tem sabido recuperar, ao passo que o segundo não. Países como a França, Itália, Reino Unido e Alemanha, historicamente conhecidos pela sua tradição nas duas rodas, não servirão de ponto de comparação. Já a Grécia, Hungria, Lituânia servem na perfeição para estabelecermos analogias que ilustram bem a nossa falta de estratégia e desapego do sector. Actualmente, com percursos de venda ascendentes, estas economias reclamam para si os benefícios (em sentido lato) que um maior parque motociclístico lhes traz. Neste caso, em termos estritamente económicos, o fomento das vendas traduz-se também – e necessariamente – na defesa do tecido empresarial de serviços de reparação e manutenção, o qual é determinante para a independência e autonomia de muitas famílias que dele retiram o seu sustento, contribuindo para os cofres do Estado, em vez de o sobrecarregarem.

CONCLUSÃO
Com as cartas na mesa, as conclusões afiguram-se claras. A China massifica a sua oferta assente, com predominância, no baixo custo em detrimento dos altos padrões de qualidade ou inovação; o mercado português continua mergulhado numa crise e, tanto a nível político como empresarial, não há quem promova medidas de apoio estratégicas. Este problema, a jusante, agravará ainda mais a debilidade do sector e acentuará a distância que nos separa dos restantes modelos sociais e de gestão europeus, que muitas vezes nos orgulhamos de referir, sobretudo quando nos faltam os verdadeiros argumentos para sustentar a riqueza de uma ideia. Ainda assim, com os juros a aumentar, o desemprego em ascensão, a inflação a subir, a carga fiscal a subtrair uma importante fatia do rendimento de singulares e colectivos que pagam impostos, as taxas e emolumentos em serviços do Estado a sofrerem actualizações substanciais, a especulação dos combustíveis, as portagens onerosas em vias de comunicação com investimentos já amortizados (e com custos de exploração comedidos face ao encaixe de proveitos), as obras públicas de interesse questionável, e os salários a reflectirem perda efectiva de poder de compra, ainda assim, dizia eu, o mercado, nestes dois últimos anos, deu mostras de querer espevitar. Citando o reputado economista Dr. João César das Neves a propósito do atraso de Portugal face aos restantes países europeus: «O que este povo não faria se tivesse uma estratégia certa?».
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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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