Como estávamos em Abril e era o fim-de-semana da Páscoa – prolongado como é hábito para a generalidade dos portugueses – marquei um dia de férias para a Segunda-Feira seguinte, e mais prolongado ficou. Por estar a precisar de carregar energias e desanuviar a cabeça, meti-me à estrada mais a Ana, a minha mulher, e partimos à descoberta de uma região ainda desconhecida para nós: o nordeste de Portugal. As chuvadas que sabíamos ir enfrentar não nos demoveram de fazer a viagem, e no fim também acabaram por não deixar qualquer réstia de arrependimento. Durante quatro dias, e ao longo de 1200 quilómetros, nós os dois e a Wild Star libertámo-nos da rotina para a ela retornarmos, porém mais ricos. É essa experiência – ainda que singela – de fuga e contemplação que quero revisitar hoje, partilhando-a com os nossos leitores.
Logo de manhã cedo, e com a moto carregada de véspera, fizemo-nos à estrada. Porque considero incomparavelmente mais atractiva a paisagem do Oeste, virei costas à A1 e optei pela A8 no percurso que me levaria até Leiria. Como aprecio rolar entre os 100 e os 120 km/h, a jornada fez-se calma e docemente, sem pressas nem sobressaltos. Dava para ir sentindo a brisa fresca na cara, impressão que há já alguns meses não experimentava, pelo menos de forma tão intensa, e que sempre produziu em mim um efeito deveras terapêutico.
Concluído o inenarrável IP3, o primeiro objectivo desse dia era ir almoçar a São Pedro do Sul. Por volta das 17:00h, e de novo na estrada, começaram os primeiros salpicos do fim-de-semana. Em cinco minutos depressa se tornaram numa valente tromba de água. Aproveitámos a protecção de um viaduto para estacionarmos a moto na berma. Retirámos os fatos de chuva dos alforges, e com um pouco de ginástica lá os vestimos por cima das calças e do blusão de cabedal. Estavam estreados!
Ao chegarmos a Vila Real, e sem que nada fizesse prever que a chuva abrandaria, fomos obrigados a estacionar durante vinte minutos para deixar passar a procissão de Sexta-Feira Santa. Debaixo da copiosa chuvada, entabulámos conversa com um gentil agente da PSP que nos foi informando sobre os pontos de interesse da cidade. Mas num ápice a conversa resvalou, como não podia deixar de ser, para as motos. Motociclista no seu trabalho, mas também fora dele, foi-nos revelando, com toda a naturalidade, o carinho que tem pela sua BMW de serviço, a qual, nunca terá conhecido outro condutor que não ele próprio. Já no conforto do hotel, reparámos nos dois imponentes elementos da natureza que tínhamos como vizinhos: a Serra do Marão e a Serra do Alvão. Praticamente sem intervenção do Homem, os nossos olhos apenas encontravam Natureza. Magnífico!
No percurso que nos levou até Mirandela acabei por me divertir imenso enquanto conduzia. O IP4, igualmente envolto em polémica, concede-nos uma profunda comunhão com o ambiente que nos circunda. Talvez por ser Sábado de Páscoa, cruzei-me, no máximo, com uns três ou quatro veículos. A aragem fresca da manhã a bater-me no rosto, as gotículas de chuva que teimavam em fazer-se notar, e a quietude daquele planalto verde, tornaram a viagem muito agradável.
Em Mirandela percorremos a cidade de uma ponta à outra. Estivemos por lá cerca de cinco horas. Almoçámos e fizemo-nos de novo ao caminho. Queríamos chegar a Bragança antes de anoitecer. No entanto, queríamos fazê-lo nas calmas, tal como habitualmente.
Terminado o “check-in” no hotel, desmontei os alforges, desejei um bom descanso à W*, e fomos passear pela cidade. A primeira impressão foi muito boa. Como cartão de visita avistámos logo o moderno Teatro Municipal de Bragança. A configuração da fachada remete-nos para a analogia com um ecrã plasma, daqueles que gostaríamos de ter na sala de estar. Outra conotação é a, não menos óbvia, boca de cena, a qual confere a identidade necessária a este edifício público. Pena é que a chuva nos tenha impedido de tirar fotografias.
No dia seguinte, Domingo, encetámos uma incursão às muralhas da fortaleza. Invariavelmente debaixo de chuva. À saída, esperava-me uma rampa íngreme que entroncava lá no fundo com uma estrada local. Como estava a chover intensamente, e o piso era feito daquela pedra muito polida, mesmo apesar de todas as cautelas, a roda da frente bloqueia a meio da descida, tendo a moto ficado imobilizada somente no começo da estrada alcatroada. Ainda hoje não percebo como este incidente não resultou em queda…
Para a frente é que é caminho, por isso já só pensávamos na belíssima posta mirandesa que iríamos degustar em Miranda-do-Douro. Mais uma vez o percurso rasgava o planalto transmontano proporcionando-nos momentos belíssimos. Era impossível não resistir à tentação de parar a moto para contemplar o silêncio e a paisagem.
Chegados ao destino, mesmo à hora da missa, fomos à descoberta do centro histórico. Nessa altura deparámo-nos com uma das mais belas vistas sobre o rio Douro. Lá em baixo, no fim de uma enorme ladeira rochosa, serpenteava o rio, sempre sereno. O cenário quase que nos fazia acreditar que estávamos noutro país. Pura ilusão. Era o nosso.
Confesso que depois do requintado repasto a que nos propusemos, a última coisa que me apetecia era arriscar um movimento. Mas como tinha mesmo de ser lá, seguimos em direcção a Freixo-de-Espada-à-Cinta. É nesta altura que surge a maior prova de perícia (e paciência!) a que o mototurismo me sujeitou. A EN221 estava em obras. Sem percurso alternativo, a única hipótese foi seguir durante 20kms por essa mesma estrada, a qual para além de não ter alcatrão, estava completamente esburacada, empoeirada e enlameada. Esses penosos 20kms foram feitos integralmente em 1ª, com raríssimas tentativas para engrenar a 2ª, as quais rapidamente me obrigavam a retornar à mudança anterior. Esta foi a única maneira de conduzir uma moto de 350 quilos, que com passageiro, condutor e carga, pesaria, no conjunto, cerca de 500 quilos! Os caros leitores nem imaginam o alívio que senti quando cheguei ao fim. Com outra moto até poderia ter sido excitante. Agora com esta…foi para esquecer.
Paragem breve em Freixo, e toca a rumar até à Guarda para pernoitar. Seguimos pela margem do Douro. Simplesmente arrebatador. Aquela estrada marginal, o rio, e a imensidão do verde fazem-nos sentir pequenos. Logo após Barca d’Alva esperavam-me alguns quilómetros de estrada de montanha com curvas bem agradáveis. Depois de umas quantas roçadelas com o poisa-pés no asfalto (para compensar a tensão da marcha lenta no troço em obras), já estávamos na Guarda.
Chegados à cidade, perguntámos mais uma vez a um polícia onde poderíamos encontrar alojamento, e sem hesitar, foi-nos recomendada a Residencial Santos. O que é que este empreendimento tem de peculiar? Bom, para além da hospitalidade do seu proprietário, não é todos os dias que uma parte da muralha da cidade nos entra, literalmente, pelo quarto adentro. Na verdade, este antigo (mas bem recuperado) edifício foi construído de forma a integrar parte da muralha da cidade. Então, no seu interior, o paredão está omnipresente, seja nos corredores, nas salas, ou nos quartos. Às tantas já não percebemos se é ele o intruso, ou se porventura somos nós…
Na Segunda-Feira, e já sem chuva, principiámos o derradeiro regresso a casa. Rolámos pela A23 em direcção a Castelo-Branco. Fazíamo-lo com um sorriso de satisfação no rosto, bem ao jeito de quando somos crianças e andamos a passear de bicicleta, descobrindo as delícias que esse brinquedo nos reserva. De cabeça refeita, mas de corpo moído, senti-me bem por ter conhecido um pouco mais do meu país, e por ter reforçado o elo de ligação que me une à moto. Acreditem, é tempo bem empregue!
Logo de manhã cedo, e com a moto carregada de véspera, fizemo-nos à estrada. Porque considero incomparavelmente mais atractiva a paisagem do Oeste, virei costas à A1 e optei pela A8 no percurso que me levaria até Leiria. Como aprecio rolar entre os 100 e os 120 km/h, a jornada fez-se calma e docemente, sem pressas nem sobressaltos. Dava para ir sentindo a brisa fresca na cara, impressão que há já alguns meses não experimentava, pelo menos de forma tão intensa, e que sempre produziu em mim um efeito deveras terapêutico.
Concluído o inenarrável IP3, o primeiro objectivo desse dia era ir almoçar a São Pedro do Sul. Por volta das 17:00h, e de novo na estrada, começaram os primeiros salpicos do fim-de-semana. Em cinco minutos depressa se tornaram numa valente tromba de água. Aproveitámos a protecção de um viaduto para estacionarmos a moto na berma. Retirámos os fatos de chuva dos alforges, e com um pouco de ginástica lá os vestimos por cima das calças e do blusão de cabedal. Estavam estreados!
Ao chegarmos a Vila Real, e sem que nada fizesse prever que a chuva abrandaria, fomos obrigados a estacionar durante vinte minutos para deixar passar a procissão de Sexta-Feira Santa. Debaixo da copiosa chuvada, entabulámos conversa com um gentil agente da PSP que nos foi informando sobre os pontos de interesse da cidade. Mas num ápice a conversa resvalou, como não podia deixar de ser, para as motos. Motociclista no seu trabalho, mas também fora dele, foi-nos revelando, com toda a naturalidade, o carinho que tem pela sua BMW de serviço, a qual, nunca terá conhecido outro condutor que não ele próprio. Já no conforto do hotel, reparámos nos dois imponentes elementos da natureza que tínhamos como vizinhos: a Serra do Marão e a Serra do Alvão. Praticamente sem intervenção do Homem, os nossos olhos apenas encontravam Natureza. Magnífico!
No percurso que nos levou até Mirandela acabei por me divertir imenso enquanto conduzia. O IP4, igualmente envolto em polémica, concede-nos uma profunda comunhão com o ambiente que nos circunda. Talvez por ser Sábado de Páscoa, cruzei-me, no máximo, com uns três ou quatro veículos. A aragem fresca da manhã a bater-me no rosto, as gotículas de chuva que teimavam em fazer-se notar, e a quietude daquele planalto verde, tornaram a viagem muito agradável.
Em Mirandela percorremos a cidade de uma ponta à outra. Estivemos por lá cerca de cinco horas. Almoçámos e fizemo-nos de novo ao caminho. Queríamos chegar a Bragança antes de anoitecer. No entanto, queríamos fazê-lo nas calmas, tal como habitualmente.
Terminado o “check-in” no hotel, desmontei os alforges, desejei um bom descanso à W*, e fomos passear pela cidade. A primeira impressão foi muito boa. Como cartão de visita avistámos logo o moderno Teatro Municipal de Bragança. A configuração da fachada remete-nos para a analogia com um ecrã plasma, daqueles que gostaríamos de ter na sala de estar. Outra conotação é a, não menos óbvia, boca de cena, a qual confere a identidade necessária a este edifício público. Pena é que a chuva nos tenha impedido de tirar fotografias.
No dia seguinte, Domingo, encetámos uma incursão às muralhas da fortaleza. Invariavelmente debaixo de chuva. À saída, esperava-me uma rampa íngreme que entroncava lá no fundo com uma estrada local. Como estava a chover intensamente, e o piso era feito daquela pedra muito polida, mesmo apesar de todas as cautelas, a roda da frente bloqueia a meio da descida, tendo a moto ficado imobilizada somente no começo da estrada alcatroada. Ainda hoje não percebo como este incidente não resultou em queda…
Para a frente é que é caminho, por isso já só pensávamos na belíssima posta mirandesa que iríamos degustar em Miranda-do-Douro. Mais uma vez o percurso rasgava o planalto transmontano proporcionando-nos momentos belíssimos. Era impossível não resistir à tentação de parar a moto para contemplar o silêncio e a paisagem.
Chegados ao destino, mesmo à hora da missa, fomos à descoberta do centro histórico. Nessa altura deparámo-nos com uma das mais belas vistas sobre o rio Douro. Lá em baixo, no fim de uma enorme ladeira rochosa, serpenteava o rio, sempre sereno. O cenário quase que nos fazia acreditar que estávamos noutro país. Pura ilusão. Era o nosso.
Confesso que depois do requintado repasto a que nos propusemos, a última coisa que me apetecia era arriscar um movimento. Mas como tinha mesmo de ser lá, seguimos em direcção a Freixo-de-Espada-à-Cinta. É nesta altura que surge a maior prova de perícia (e paciência!) a que o mototurismo me sujeitou. A EN221 estava em obras. Sem percurso alternativo, a única hipótese foi seguir durante 20kms por essa mesma estrada, a qual para além de não ter alcatrão, estava completamente esburacada, empoeirada e enlameada. Esses penosos 20kms foram feitos integralmente em 1ª, com raríssimas tentativas para engrenar a 2ª, as quais rapidamente me obrigavam a retornar à mudança anterior. Esta foi a única maneira de conduzir uma moto de 350 quilos, que com passageiro, condutor e carga, pesaria, no conjunto, cerca de 500 quilos! Os caros leitores nem imaginam o alívio que senti quando cheguei ao fim. Com outra moto até poderia ter sido excitante. Agora com esta…foi para esquecer.
Paragem breve em Freixo, e toca a rumar até à Guarda para pernoitar. Seguimos pela margem do Douro. Simplesmente arrebatador. Aquela estrada marginal, o rio, e a imensidão do verde fazem-nos sentir pequenos. Logo após Barca d’Alva esperavam-me alguns quilómetros de estrada de montanha com curvas bem agradáveis. Depois de umas quantas roçadelas com o poisa-pés no asfalto (para compensar a tensão da marcha lenta no troço em obras), já estávamos na Guarda.
Chegados à cidade, perguntámos mais uma vez a um polícia onde poderíamos encontrar alojamento, e sem hesitar, foi-nos recomendada a Residencial Santos. O que é que este empreendimento tem de peculiar? Bom, para além da hospitalidade do seu proprietário, não é todos os dias que uma parte da muralha da cidade nos entra, literalmente, pelo quarto adentro. Na verdade, este antigo (mas bem recuperado) edifício foi construído de forma a integrar parte da muralha da cidade. Então, no seu interior, o paredão está omnipresente, seja nos corredores, nas salas, ou nos quartos. Às tantas já não percebemos se é ele o intruso, ou se porventura somos nós…
Na Segunda-Feira, e já sem chuva, principiámos o derradeiro regresso a casa. Rolámos pela A23 em direcção a Castelo-Branco. Fazíamo-lo com um sorriso de satisfação no rosto, bem ao jeito de quando somos crianças e andamos a passear de bicicleta, descobrindo as delícias que esse brinquedo nos reserva. De cabeça refeita, mas de corpo moído, senti-me bem por ter conhecido um pouco mais do meu país, e por ter reforçado o elo de ligação que me une à moto. Acreditem, é tempo bem empregue!
Nota final (em jeito de desabafo): E foi esta a última viagem que fiz aos comandos da minha XV1600A. No fim-de-semana seguinte um condutor de um automóvel ligeiro adormece ao volante e embate violentamente na moto, que, por ironia do destino, até estava estacionada na berma. Felizmente os ferimentos foram ligeiros, tanto para ele como para a minha mulher. A mim, tirando o enorme susto, não me aconteceu nada. Quanto à moto, tudo nela ficou destruído com excepção do motor. Se algum dia esse V-Twin irá abandonar os destroços onde se encontra para voltar a dar vida a uma estrutura toda ela renovada, essa é uma decisão que, a acontecer, dependerá somente do poder judicial. O que tiver de ser será. Lá terei de fazer das tripas coração e reaprender a velha lição da espera. Mas apesar do problema, sabe-me bem olhar para trás e relembrar os bons momentos que desfrutei com a sempiterna Wild Star. De igual modo, gosto que todos quantos andam de moto continuem a partilhar comigo diariamente as suas alegrias, as suas conquistas, as suas descobertas. Mas sobretudo, dá-me muita força acreditar que no futuro tudo será diferente. Tudo será melhor. Hei-de voltar a andar na minha moto, e nessa altura outras viagens se seguirão. Vemo-nos aí na estrada…quando essa altura chegar.
© Todos os direitos do texto e fotos estão reservados para Hélder Dias da Silva.
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008
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