segunda-feira, 6 de outubro de 2008

OFÍCIO ESQUECIDO - OS SOBREVIVENTES DE UMA INDÚSTRIA DESAPARECIDA

Nº65 MOTO REPORT Maio 2007















As motorizadas construídas em Portugal deram origem a uma classe de mecânicos que teve o seu auge nos anos 60, 70 e 80. A partir da década de 90 instaurouse um declínio natural. As causas? Várias. Desde o envelhecimento do parque circulante por consequência do fim da produção, ao envelhecimento dos próprios mecânicos, passando pela mutação nos gostos dos motociclistas que aos poucos se inclinavam para motos de outra gama, com outra tecnologia e vocacionadas para outros fins, a qual estes técnicos não conseguiam acompanhar, não esquecendo também o advento dos “papareformas” - aqueles “carros” que se podem conduzir sem carta de condução. Todos estes motivos ditaram a morte lenta das oficinas que prestavam serviços técnicos aos veículos de duas rodas construídos no nosso país. A MOTO REPORT resolveu visitar uma dessas casas. Fomos até à zona saloia, no concelho de Mafra, e falámos com um resistente dessa época: o Sr. José Frederico Bernardo Alves. Demos de caras com um presente que se confunde com as memórias do passado. O tempo em que as motos eram declaradamente taxadas com o Imposto de Luxo. Hoje também o são, mas sub-repticiamente.

”Trabalho nisto há já 50 anos. Antes de ir para a tropa tinha aqui uma oficina com o meu pai. Nessa altura trabalhava-se muito com bicicletas. Não havia muitas motorizadas. Depois apareceram aquelas marcas feitas em Portugal... e agora começam a desaparecer. Entretanto, fui para Angola cumprir o serviço militar e acabei por ter lá uma oficina de motos durante nove anos. Reparei muitas Honda, Kawasaki, Yamaha, Vespa e Lambretta. Quando regressei, em 1972, abri esta casa... já lá vão 34 anos.” “Havia em tempos os vendedores de gelados que vinham de Lisboa em triciclos com motor Sachs para vender na feira da Malveira à quinta-feira. De vez em quando ficavam enrascados... e lá se dava um jeitinho.” O Sr. José Frederico Alves repara hoje exactamente os mesmos modelos de há três décadas atrás. Movimenta-se diariamente naquilo que a nós nos parece um filme de época. Na sua oficina à beira da estrada nacional, na Venda do Pinheiro, as motorizadas que vemos são Casal, Zündapp e Sachs. Ocasionalmente, uns triciclos e umas Vespa dão o ar da sua graça. Todas estas motos passaram o rigoroso teste do tempo. Ainda por cá andam. São fiáveis e aos poucos vão mostrando apetência para integrar colecções. No entanto, nota-se uma grande quebra no movimento. O fecho das fábricas, por exemplo, de Águeda, Anadia, Cantanhede e Aveiro ditou o fim desta actividade. A tendência será inevitavelmente para acabar. Talvez por isso sejam as bicicletas a ajudar a equilibrar o movimento da casa, já que – pelo menos por estes lados – vai havendo míngua daqueles motores de outrora. Só muito de vez em quando passam por lá uns amoladores da região. Vão sendo igualmente poucos... este também já não é o tempo deles. Há duas dezenas de anos eram clientes habituais e em quantidade. Trabalhos de bate-chapa e pintura não faz porque não tem instalações para isso. Agora, no que concerne a motores e outros componentes mecânicos, revira tudo do avesso. Monta pistões, bielas, rolamentos, carretos, tudo e mais alguma coisa. Apesar da idade destes modelos, há sempre peças novas à venda. Pelo menos as de mecânica. Algumas são portuguesas, mas muitas vêm de Itália. O trabalho que sobra para si é mesmo o de montagem. Selins, com mais ou menos dificuldade, ainda se conseguem desencantar. O problema é com depósitos e guarda-lamas. “É preciso vasculhar muito até encontrar... só usado”, revela. Quando lhe questionámos sobre as “manhas” mais comuns destas máquinas, o Sr. José não hesitou em apontar o dedo à introdução da electrónica, se bem que rudimentar, nalgumas Sachs. “Dantes, se a bobine se queimava, levava uma bobine. Depois, se precisasse de platinados, punham-se os platinados. Com os condensadores a mesma coisa. Era mais prático. Quando começaram a levar umas coisitas de electrónica foi mais complicado, porque obrigavam a substituir o conjunto todo.” O Sr. José não se aventura a mexer em motos “grandes”. Mas nas Yamaha DT e nas Honda NSR diz não ter problemas porque a mecânica é simples. Estes modelos são a imagem de uma geração mais nova, ao passo que os anteriores pertencem a pessoas de uma outra idade. Perguntámos-lhe se ainda dá umas voltinhas de moto, ao que nos responde: “Quando era mais novo andava. Agora só quando preciso.”

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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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