domingo, 5 de outubro de 2008

A VERDADEIRA ESCOLA - TUNING DAS "CINQUENTAS"

Nº64 MOTO REPORT Abril 2007

O tuning das motos, tal como o dos carros, cativa quem o faz e quem o vê. Nos automóveis, os modelos sofrem “restylings”, grosso modo, a cada três anos, mas nos ciclomotores os intervalos de tempo são mais espaçados. As pessoas vão-se cansando de ver os mesmos modelos, durante anos a fio, sem alterações. Esse cansaço acumulado – de ver sempre a mesma coisa – começa então a disseminar-se um pouco por toda a parte e os utilizadores resolvem, eles próprios, iniciar um qualquer processo de transformação da sua moto. Se, por um lado, existe algum constrangimento financeiro, por outro acaba por ser ele, muitas vezes, o impulsionador para se tomar a decisão de “quitar” a motinha actual ao invés de comprar uma nova mais potente. Perde um sector do mercado mas ganha outro, o dedicado ao fornecimento de componentes de tuning. Como desafio até se torna interessante fazer com que uma “cinquenta” pareça tão bem decorada e tão desenvolta quanto uma “125”. Saiba este sector adaptar-se às novas realidades e nunca há-de morrer.

Desde finais dos anos 90 que há um declínio geral do mercado, qualquer que seja a cilindrada. A legislação não ajudou, os incentivos desapareceram, os seguros agravaram-se e a sociedade adquiriu novos hábitos. Hoje, até as bicicletas estão em declínio. As que circulam por aí são modelos de topo de gama, compradas por gente adulta que as usa ao fim-de-semana para passear calmamente ou fazer BTT. Já não vemos crianças a andar de bicicleta naturalmente. É-lhes simplesmente vedada a oportunidade de se iniciarem nesse mundo das duas rodas. Há 30 atrás, a primeira bicicleta na vida das crianças surgia por volta dos três ou quatro anos de idade. Hoje em dia, se uma criança recebe a primeira bicicleta, na melhor das hipóteses, aos 11 ou 12 anos, dificilmente irá desenvolver daí o hobby, porque já teve um percurso anterior que a impede de apreciar e dedicar atenção àquele veículo, muito menos às motos e ao seu tuning. Quando tentámos aquilatar a faixa etária dos entusiastas deste tipo muito específico de actividade, Jorge Custódio, da Motoclasse, é peremptório na sua resposta: “Infelizmente são só pessoas a partir dos 17 anos.” Explica: “Aquela faixa etária dos 13 aos 17 anos, que dantes tinha muita «pica» pelas motos, que tantas vezes se iniciava nas scooters e evoluía mais tarde para uma moto com mudanças, está a desaparecer. Por razões sociais, que vão desde a gestão das prioridades familiares, ao mito de que as motos são perigosas, etc. Muitas vezes os adolescentes estão trancados em casa
com outro tipo de actividades. Já os jovens a partir dos 18 anos, como alguns trabalham, têm mais disponibilidade financeira para desenvolverem o seu gosto pelo tuning.” E de facto esta conclusão é reveladora da importância que esta actividade tem para o sector, como, aliás, mais adiante desenvolve: “O tuning das cinquentas promove todo o sector, porque é um gosto que se cria, se desenvolve e se desmultiplica para os outros segmentos do mercado das motos, acompanhando a evolução desde a fase da adolescência até à vida adulta dos motociclistas. O que move o nosso ramo, a nível geral, são as 50cc e as 125cc. São o embrião de um gosto pessoal que perdurará e consequentemente promovem um sector inteiro a vários níveis (comércio de peças, vestuário, oficinas, eventos, etc.). Estas motos, de tão simples que são, quase que nos ensinam a andar... e a cair, o que também é importante. São o ritual de iniciação, sem o qual existirão cada vez menos motociclistas.” Habitualmente, os modelos favoritos para o tuning são, em scooters, as Yamaha Aerox e BWS, as Gilera Typhoon, Runner e NRG. Se falarmos de motos com mudanças, as mais populares são a Yamaha DT (embora as novas versões não sejam tão afamadas como as anteriores em termos de fiabilidade), as Honda CRM e NSR, Aprilia RX e RS50 Xtrema e a Suzuki RMX. Na classe 125cc, as rainhas são a Yamaha DTR e Honda NSR.

Transformar a estética ou a mecânica?
As duas coisas. Pela estética é mais fácil e o resultado mais imediato. Este tuning é cada vez mais ousado e acaba por conferir uma certa graça aos modelos que todos conhecemos, se bem que por vezes a transformação acaba por roçar o espampanante. Quanto ao tuning de potência, sempre existiu e a “malta” mais radical – que tem sempre uma costela a puxar para a competição – acaba, na medida das suas possibilidades, por se aventurar a “mexer” na mecânica. Aqui convém frisar que existe sempre um compromisso entre prestações e durabilidade. Os motores são concebidos com uma determinada fiabilidade, sujeita a intervalos de
tolerância, e quando optamos por encurtar esses intervalos, por via do incremento das três variáveis (modificações, prestações e desgaste), devemos ter consciência de que a longevidade “de origem” já não poderá ser garantida. Parte dos componentes já não são os mesmos, e os que ainda o são, encontram-se sujeitos a esforços adicionais. Todavia, o que se perde na fiabilidade, poder-se-á ganhar no gozo e na satisfação. É uma relação de compromisso como qualquer outra.

O que modificar
Vamos partir da Yamaha DT como base, por sabermos que é um modelo muito vulgar. A receita do Jorge Custódio é a seguinte: “Temos de colocá-la supermotard. Transformam-se as rodas, o estilo do guiador, suspensões, ou seja, torna-se a moto mais pequena, mas também mais encorpada, e isso vai fazer com que haja realmente uma mudança para uma estética totalmente diferente, o que muitas vezes leva a que a «cinquenta» se pareça com uma «125». Devemos transformar os aros, pelo menos à frente, de roda grande para roda pequena, ou seja, de roda 19’’ para roda 17’’. Os pneus deixam de ser cardados e passam a ser uns racing para utilização em estrada. Depois os aros devem ser em alumínio. O guiador estilo fat-bar, mais largo, requer umas abraçadeiras próprias para fixação ao “Tê”. A moto fica mais baixa, com uma maior distância entre punhos, o que a torna mais resistente e com maior sensação de aderência à estrada. Muitas vezes altera-se também o amortecedor de trás. Os guarda-lamas devem ser mais curtos para acompanharem a alteração feita ao nível das rodas. Depois há imensas carenagens que se podem adequar ao estilo dos novos guarda-lamas colocados. As micas e os farolins devem também ser substituídas de forma a ficar tudo enquadrado com a estética final. Os aceleradores também se mudam. Em vez de terem as manetes acopladas, passam a ter acelerador rápido com o curso maior. Os comandos da iluminação ficam à parte, com interruptores pequenos. As cores a utilizar variam entre o muito garrido e os verde-água ou azul-água o que atribui à moto um estilo muito diferente. Os pousa-pés deixam de ser de borracha e passam a ser de alumínio, tanto à frente como atrás, e de preferência coloridos (da cor da moto).” “Na mecânica as transformações podem ser variadíssimas. O mais comum é colocar uma cambota nova, com um curso superior, porque os cilindros que existem para o efeito são de 54/55mm, praticamente iguais aos da DTR (56mm), portanto a diferença é mínima. Esses cilindros por serem mais altos exigem que a cambota tenha um curso superior para que o pistão chegue à parte de cima e fique nivelado com o respectivo cilindro. Logicamente, é preciso alterar o carburador. Este é um componente fundamental porque a moto vai precisar de admitir mais gasolina e só o consegue com um de corpo mais largo (28mm, 30mm, 32mm ou 34mm). Outro componente importante é um rotor electrónico. Ele dá mais potência. Ideal para complementar um cilindro largo. Nessa sequência, falta também um filtro de ar cónico reutilizável para melhorar a mistura. O escape, que muito interfere no rendimento dos motores, deverá ser igualmente alterado no caso de se terem feito as modificações anteriores. Seja industrial ou artesanal, um escape é caro (entre 150 a 250 euros), pelo que devemos contar com verba para ele logo desde o início do processo de transformação. A embraiagem deixa de ser de três discos e passa a ser de quatro. Muitas vezes utilizam-se até embraiagens de modelos de competição de Cross (YZ80 ou da CR80). Mas isso é muito ousado, e em caso de necessidade de substituição é preciso vasculhar um pouco à procura de um sistema igual. A transmissão (pinhão de ataque e cremalheira) deve também ser ajustada. Provavelmente terá de ser toda nova. Mas só analisando caso a caso. Por fim, a travagem. Os discos de travão devem ser em flor porque dão um aspecto mais radical. As bombas de travão devem ser duas em vez de uma, pois se a moto vai ser muito mais potente, requererá maior prontidão ao travar”, concluiu. Bom... e após tantas dicas que aqui ficaram, indicadas por quem realmente percebe do assunto, resta-nos aguardar para ver algumas destas pequenas “grandes” motos a circular por aí, influenciadas por este artigo. Aguardamos essas fotos!

Agradecimentos: A MOTO REPORT agradece a toda a equipa da Motoclasse o apoio e facilidades concedidas para a realização deste trabalho, especialmente ao Jorge Custódio, que, mesmo engripado e atarefado, partilhou connosco humildemente os seus conhecimentos. Também uma palavra de apreço ao Hugo Faustino. Bem hajam!

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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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