quinta-feira, 9 de outubro de 2008

MERCADO MOTOCICLÍSTICO

Nº262 ANECRA Maio 2007
Nº67 MOTO REPORT Julho 2007 (com autorização)
O mercado dos motociclos, quando encarado sobre uma perspectiva global, surge como um aliado natural de toda a indústria automóvel e não como um concorrente desse mesmo sector. Veja-se o caso dos fabricantes que constroem, simultaneamente, carros e motos. O exemplo é auto-explicativo. Do ponto de vista do consumidor, estes dois produtos finais (o automóvel e o motociclo) são, na maioria das vezes, bens complementares. Hoje em dia, as necessidades profissionais, familiares e recreativas podem, perfeitamente, apelar à coexistência pacífica destes dois tipos de veículos. O que nos confirma de sobremaneira a conclusão antecipada de início. Perante esta constatação de facto, optámos por efectuar uma análise ao mercado desde 1999 (o ano do “boom” nas vendas) até ao ano transacto. Convidamo-lo, então, a tomar o pulso a este ramo de actividade, que já conheceu melhores dias, mas que, com uma aposta consciente de todos os seus intervenientes (directos e indirectos), poderá recuperar o ritmo outrora alcançado. Assim todos saibam investir, promover, gerir, legislar, fiscalizar e apoiar.

Situação Económica Nacional
A Economia Internacional lida, actualmente, com a escalada do preço do petróleo nos mercados internacionais. Uma situação que vem sendo recorrente desde a década passada. Em rigor, questões por resolver, como sejam a do Iraque ou a da ameaça – algo dissimulada, porém omnipresente – do Irão ou, até mesmo, da Coreia, continuam a ter repercussões nefastas na economia global. Os barões da indústria de extracção e transformação do crude encontram nestes pretextos - mais até do que na própria escassez do produto - excelentes formas de exercer especulação, com consequências a nível mundial e que todos nós percepcionamos diariamente. Por outro lado, a concorrência de economias em crescimento, como sejam a chinesa ou a dos países do leste europeu, faz-se sentir veementemente. Estes países são – devido a conjunturas várias – altamente competitivos e, nos últimos anos, têm penetrado com eficácia e também com eficiência nos domínios da cultura, da sociedade e, principalmente, da economia europeia. A União Europeia (UE) apresenta uma subida constante do PIB, com excepção feita a 2005, e esta tendência de crescimento cimentou-se num efectivo aumento do consumo privado, coadjuvado pela redução drástica da despesa pública. A taxa de inflação ficou-se pelos 2,2%, em 2005, e, no mesmo ano, o desemprego atingiu os 8,6%. Por contraponto, os EUA apresentam 3,4% e 5,1%, respectivamente. O PIB americano manifesta tendência análoga à europeia, ocorrendo, inclusivamente, o mesmo fenómeno de redução da despesa pública e reforço do consumo privado. A Economia Nacional tem demonstrado grande dificuldade em resistir à negativa conjuntura internacional. Por ser pequena e aberta, torna-se naturalmente permeável ao contexto externo. Deste modo, o PIB, no período em análise, apresentou um crescimento global de cerca de 20%. Contudo, o investimento exibiu um decréscimo significativo (a rondar os 5%). O consumo, esse sim, aumentou avidamente, sendo que a taxa de crescimento se cifrou nos 25% para o sector privado e nos 30% para o sector público. Perante estes indicadores, é possível inferir que o recurso à banca foi o agente eleito para acelerar o consumo, já que o investimento decresceu e o PIB não acompanhou a evolução da despesa. Portugal continua também com as importações a terem um peso superior ao das exportações, sendo que 2003 foi o ano onde a diferença mais se esbateu. Já o Investimento no Estrangeiro conheceu uma drástica diminuição (para menos de metade). Igual tendência para o desinvestimento tem acontecido em relação às decisões do estrangeiro em investir em Portugal. Todavia, a taxa de decréscimo ficou-se pelos 10% O saldo da Balança Corrente é negativo, com agravamento desde 2003. A Dívida Pública apresenta um crescimento sustentado, a par da Taxa de Desemprego. E o mercado de trabalho é precisamente um reflexo de tudo o que para trás foi enunciado. Para clarificar este ponto, refira-se que o número de desempregados, em 2005, era o dobro do que havia em 2000. Evidentemente que este fenómeno, para além do flagelo social que dissemina, gera também uma sobrecarga ao nível da despesa pública por via do dispêndio de verbas por parte da Segurança Social. O que, em abono da verdade, contribui negativamente para cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Já a Inflação apresenta oscilações entre o crescimento e o seu inverso. Até 2002 a tendência foi para o aumento do indicador, e daí para cá veio paulatinamente a reduzir, estimando-se que para 2006 o valor a apurar comute a orientação. Conclui-se, portanto, que as reformas levadas a cabo pelo Governo com o intuito de conter os custos, e que passam por uma racionalização da despesa pública, levarão o seu tempo a produzir os efeitos esperados. Até lá, Portugal é um país deprimido, envolto num pessimismo generalizado, e profundamente descrente da tão desejada retoma.

Evolução das Vendas de MOTOCICLOS em Portugal
O ano de 1999 permanece, até à data, como um marco muito positivo em termos de vendas de motos. Desde então, o número de matrículas novas tem vindo a decrescer. Esta tendência manteve-se até 2003, sendo que, no ano seguinte, ocorreu uma tímida recuperação. Os anos de 2006 e 2005 foram sinónimo de altos e baixos, respectivamente, sendo que, e em suma, os últimos três anos apresentam valores muito próximos. O mês de Janeiro de 2007 destaca-se o do seu homólogo do ano anterior, com vendas totais superiores em 50%. A KEEWAY é o construtor que mais cresceu. Analisando os recordistas de vendas em Portugal, constatamos que, de entre os 10 primeiros, quatro fabricantes são europeus, outros tantos são nipónicos (historicamente as marcas mais comercializadas), um é norte-americano e outro é coreano. Neste ponto, surge um dos sinais mais evidentes: o emergente mercado de exportações do eixo Coreia - China. De um ano para o outro, a KEEWAY passou de nove para 490 motos, e, só em Janeiro de 2007, vendeu quase 25% do volume atingido em 2006. Esta categoria está relacionada com as motos, ainda que tangencialmente. Vejamos o que nos diz o n.º4 do artigo 107º do Código da Estrada: «Quadriciclo é o veículo dotado de quatro rodas, classificando-se em: Ligeiro: veículo com velocidade máxima, em patamar e por construção, não superior a 45 km/h, cuja massa sem carga não exceda 350 Kg, excluída a massa das baterias no veículo eléctrico e com motor de cilindrada não superior a 50 cm3, no caso de motor de ignição comandada, ou cuja potência máxima não seja superior a 4 KW, no caso de outros motores de combustão interna ou de motor eléctrico; Pesado: veículo com motor de potência não superior a 15 KW e cuja massa sem carga, excluída a massa das baterias no caso de veículos eléctricos, não exceda 400 kg ou 550 kg, consoante se destine, respectivamente, ao transporte de passageiros ou de mercadorias.» Nesta classificação cabem os veículos de quatro rodas, que em tudo se assemelham a um automóvel, mas que podem ser conduzidos sem carta de condução – os “microcars” –, mas também os “moto4” que são parte integrante do catálogo de construtores de motos. Com esse fito, ao analisarmos a evolução de matrículas novas constatamos que a evolução é positiva até 2001, voltando-o novamente a ser depois de 2004. Aliás, note-se bem que de 2005 para 2006 o salto é de quase 36%. Indo de encontro ao detalhe dos registos, deparamo-nos com duas realidades que se aproximam. Se por um lado, os sete principais fornecedores de quadricilos são construtores de motos (logo são os “quads” a dominar esta categoria), quem, de facto, tem incrementado a taxa de crescimento das vendas é a indústria de quadriciclos “com capota”. O que desvirtua, em parte, este estudo, já que, em última instância, são viaturas com naturezas completamente distintas. Todavia, é claramente uma pista a ser seguida com toda a atenção.

Distribuição do parque Segurado de MOTOCICLOS por Distritos
Segundo os valores reportados pelas Seguradoras ao Instituto de Seguros de Portugal (Ministério das Finanças), esta contabilização manifesta tendência crescente, ainda que ligeira. Esta análise não manifesta, pois, correlação directa com as anteriormente apresentadas uma vez que:
• Apenas são considerados os veículos com matrícula;
• Apenas são considerados os veículos com seguro (código da empresa de seguro correcto);
• Apenas são considerados os registos com data válida (AAAA-MM-DD);
• Apenas são considerados os registos com data de início de seguro;
• Nas circunstâncias em que existe mais do que um registo da mesma matrícula, apenas é considerado aquele cuja data de início é a mais recente (desde que inferior à data a que a informação se reporta);
• Um registo apenas é considerado se a respectiva apólice se encontra em vigor na data a que diz respeito;
• Todos os registos que se encontrem nas condições descritas, mas que não tenham devidamente preenchido o código de concelho e/ou o código de categoria. O ISP optou por considerá-los nas categorias “Desconhecido” e “Outros” respectivamente.

Com a tabela seguinte podemos aquilatar a dispersão geográfica dos motociclos em Portugal. Há, logicamente, uma forte concentração junto dos grandes perímetros urbanos, sendo mais reduzida à medida que nos aproximamos de zonas eminentemente rurais. Porém, uma curiosidade: Faro é o distrito com mais motos por cada cem mil habitantes. O que lhe confere autoridade moral/nacional para realizar a maior concentração de motos da Europa. O distrito com menos motos per capita é Castelo Branco, logo seguido do Porto. Lisboa apresenta uma correspondência com a média verificada.

Evolução do Mercado Europeu
Na União Europeia (Europa dos 15), em sete anos, venderam-se perto de 8,5 milhões de motos, sendo que 2000 foi o melhor ano comercial. Em 2002, os valores bateram no fundo da tabela (tal como em Portugal), e daí para cá a evolução tem sido positiva. Ainda não estão disponíveis os dados 2006, mas crê-se que a tendência se terá mantido. Para a República Checa, Estónia e Lituânia, as taxas de crescimento são de três dígitos. Para os restantes países, os dados são esparsos e, por isso mesmo, inconclusivos. Refira-se, no entanto, que o primeiro deles aplica aos motociclos as menores cargas fiscais de toda a Europa, tendo inclusive, prémios de seguros com custos extremamente reduzidos (cerca de 10€). Não admira, pois, que se assista ao despontar da democratização deste produto naquele mercado. Em termos absolutos, a UE apresenta um conjunto de seis países que, por razões demográficas, mas também sócio-culturais, lideram o ranking de vendas de motociclos na região: Itália, Alemanha, França, Reino Unido, Espanha e Grécia. Excepção feita à Alemanha e à vizinha Espanha, todos os outros apresentaram evolução positiva entre o início e o fim do período em análise. Comparando a tendência da UE com Portugal, o auge das vendas ocorreu em 2000 (e não em 1999 como cá), tendo o volume global decrescido continuamente até 2002. A inversão de tendências acontece precisamente neste ponto. A partir de 2003, a UE inicia a recuperação e Portugal permanece em queda, abandonando a orientação do conjunto; circunstância que se deverá verificar até 2006 (apesar de, como já mencionado, os dados oficiais ainda não estarem disponíveis). A extinção da nossa indústria de motociclos, a própria mutação dos interesses pessoais dos consumidores, a falta de incentivos fiscais para aquisição e obtenção de licença de condução, e os sucessivos aumentos do IVA serão, genericamente, as razões que conduziram Portugal a este cenário marginal, quando comparado com o que acontece no restante continente europeu. Refira-se igualmente como causas as restrições legislativas, o desacompanhamento e despromoção do conceito e seus benefícios a nível institucional (poder político) e a insensibilidade das seguradoras, a par com as políticas comerciais brandas e pouco efectivas de fabricantes e importadores.

Conclusão
Perante a realidade em apreço, dois aspectos se nos afiguram evidentes: o sector está em crise e a China está a conquistar quota de mercado. A aposta chinesa não é na inovação nem na qualidade, mas, antes, na melhor relação qualidade/preço. Os seus produtos destinam-se ao segmento das motos de baixa cilindrada, onde a simplicidade mecânica e a estética parcimoniosa, aliadas a uma economia de escala com mão-de-obra barata, permitem reduzir drasticamente os custos de produção a favor de um preço final muito competitivo. Por outro lado, estes dados mostram-nos que no nosso país há uma vastíssima carteira de clientes interessada em motos com baixo custo de aquisição e manutenção. São as pessoas que necessitam de moto para, diariamente, se deslocarem dentro das cidades (onde o aumento da mobilidade e a poupança financeira são benefícios efectivos e imediatos). Ou que, a ser na província, as pessoas mais não precisam do que um veículo com motor até 250cc, para pequenos trajectos ao longo desse “Portugal Rural”. No fundo, esse é o nosso mercado tradicional.
Sempre existiu, desde a época das fábricas de motorizadas no norte do país até aos nossos dias a adopção de medidas de incentivo – como aquela preconizada na directiva comunitária 125cc/Carta B, onde condutores de automóveis ligeiros estariam habilitados a conduzir motociclos até 125cc – poderiam deflagrar uma definitiva retoma do sector. Até porque, uma observação mais atenta do quotidiano revela-nos que não está a acontecer uma renovação da classe motociclista. Na prática, este grupo está, todos os anos, um ano mais velho. Não há uma nova geração a entrar no meio. Com a crise que se alastra no ramo, não são só os departamentos comerciais de revendedores e concessionários de motos que acabam por ser afectados. É-o toda uma indústria, desde os fabricantes de acessórios, vestuário e componentes mecânicos até aos serviços técnicos – quase sempre dependentes de um concessionário oficial ou revendedor. Quanto menor o número de unidades comercializadas, menor será o número de intervenções de reparação e manutenção a serem requisitadas. Pelo que, a não inversão da tendência de queda, irá deixar lentamente uma marca incómoda nos tecidos económico e social, pois não é só o plano macro-económico que perde o contributo deste sector, mas a própria micro-economia é posta à prova, seja através de mão-de-obra excedentária, ou de crédito malparado, ou até mesmo de processos de falência e contencioso. Sob um outro prisma, com a escalada do preço do petróleo, e com a necessidade de reduzir as emissões poluentes para a atmosfera, a utilização de motos como meio de transporte, sobretudo em centros urbanos, seria – à semelhança do que acontece pela Europa fora – uma opção natural com benefícios colectivos, longe de serem, de todo, despiciendos.
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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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