terça-feira, 4 de novembro de 2008

O LUSO-MOTOCICLISTA CONTEMPORÂNEO EM TRÊS ACTOS

TEXTO NÃO PUBLICADO

PRÓLOGO
Às vezes, enquanto conduzo, dou por mim a cogitar sobre esta ou aquela característica que, de uma forma geral, reflecte os hábitos daqueles que como eu são motociclistas em Portugal. Hoje resolvi passar esses pensamentos dispersos – testemunhos daquilo que encontramos todos os dias na estrada – para o papel. A escrita pode muito bem ser uma forma de exorcizarmos os nossos fantasmas, medos, dúvidas, ou simplesmente os nossos defeitos. Todavia, justiça seja feita, também concordo que há males bem mais gravosos nesta nossa sociedade. Mas isso não me impede com certeza de perceber que, se calhar, há umas quantas arestas ainda por limar. Em todo o caso, é também contra mim que eu escrevo… Adiante.

ACTO I – DESTRUIR UM MITO: AS CONCENTRAÇÕES “MOTARDS”
É recorrente a afirmação de que já se perdeu o espírito genuíno que as concentrações de motociclistas haviam tido noutros tempos. Até me parece que esta é uma conjectura da moda. Em todo lado há sempre alguém devidamente avalizado na matéria para interpor tal observação.

Pela parte que me toca, e em virtude de ter completado três décadas de vida, nunca me foi possível experimentar esse tal espírito genuíno de que alguns invocam, muitos recordam, e outros tantos – como eu – simplesmente desconhecem. Das concentrações conheço apenas a realidade contemporânea, quer se tratem de encontros internacionalmente aclamados, ou de outros bem mais bairristas e erguidos com parcos recursos.

Agora, não é preciso ser-se um génio para perceber que as grandes concentrações são em tudo semelhantes aos festivais de verão, ou às grandes feiras regionais. Senão vejamos: existe um cartaz musical capaz de agradar aos que são e aos que não são motociclistas; há comida e bebida com fartura; tendas de artesanato, de vestuário, e de um sem número de outras “utilidades” encontram-se por toda a parte; e, muitas vezes, há igualmente o complemento balnear, nuns casos salgado, noutros doce. De resto, se não for o bike show, ou o típico strip-tease, a coisa não passa de mais um acontecimento lúdico em época de veraneio destinado a um público indiferenciado. Daí que me pareça que a única semelhança entre a realidade que hoje temos, e os tempos em que estas actividades estavam despojadas da actual vertente comercial, é só a facto de nos deslocarmos até lá de moto. Quer dizer… uns há que nem isso…Tudo o resto são condimentos que têm tanto de rentável como de impessoal.

Não tenho nada contra às concentrações. São agradáveis, proporcionam boas escapadelas de fim-de-semana, impulsionam o sector e as regiões. No entanto, talvez valha a pena inventar outras formas complementares para recuperar o tal convívio despretensioso que motociclistas como eu só conhecem de ouvir falar. Ou talvez caiba a cada um de nós promover esses momentos de partilha. É que quando o vil metal entra na equação, para mais numa escala de centenas de milhar, tudo fica mais impessoal. É como ir ao hiper-mercado em vez de ir à mercearia.

ACTO II – A CORTESIA, E A FALTA DELA
Há três anos fiquei espantado ao verificar que em França todo e qualquer motociclista que se cruzasse comigo me dirigia um cumprimento. Fosse com o polegar em sinal de OK, fosse com a perna direita esticada, fosse com um simples aceno de cabeça ou fosse, inclusivamente, com uma piscadela de máximos. Todos sem excepção, independentemente da moto que utilizavam, não hesitavam em cumprimentar-se entre si. Achei bonito. São gestos simples como este que aumentam a união, a coesão, e o sentimento de pertença a um grupo do qual fazemos parte. Não custa nada e cai bem.

Nos primeiros meses de carta, também eu cumprimentava toda a gente. Mas fartei-me de dirigir saudações a quem não lhes ligava importância. Às tantas sentia-me um idiota. Então deixei de tomar a iniciativa. Apenas respondia ao cumprimento caso mo dirigissem.

Mas agora mudei a atitude. Voltei a cumprimentar toda a gente. Acho que se todos agirmos assim não há de faltar muito tempo para que este hábito – tão característico do universo das duas rodas – se reinstale de novo de norte a sul. E sabem que mais, tenho reparado que até já os polícias retribuem o meu cumprimento. Valeu!

ACTO III – A SOLIDARIEDADE
Há uns meses circulava eu na A8, em direcção a Torres Vedras, quando vejo passar por mim uma moto a fazer um ronco tremendo. Continuo no meu ritmo, e uns cinco quilómetros mais à frente recomeço a vê-la no horizonte só que numa toada bem mais calma. Quando me aproximo um pouco mais tive de travar a fundo, guinar a minha Wild Star para a esquerda, pois a panela de escape da outra moto acabava de se soltar, varrendo as faixas da auto-estrada de uma ponta à outra. Depois de controlada a situação, quando eu já estava à frente dessa moto, talvez uns quinhentos metros, pensei em encostar para auxiliar o motociclista, mas acabei por desistir. Na altura achei que não tinha ferramentas para o ajudar, que de certeza que ele haveria de ter assistência em viagem, portanto, a minha presença seria escusada. Porém, estes são argumentos de quem simplesmente não tem argumentos. Hoje sinto-me mal quando penso neste episódio, até porque eu também já senti na pele o que é estar “enrascado” na berma, e ninguém se dignar a parar para oferecer ajuda. É simplesmente inqualificável. Umas vezes porque estamos distraídos, outras porque estamos com pressa, outras porque é de noite, outras porque é de dia, outras porque está a chover, outras porque está a fazer sol, outras porque estamos sozinhos, outras porque estamos acompanhados, na verdade somos pródigos em arranjar argumentos para justificarmos o nosso individualismo e votarmos à mercê da sorte outros que, como nós, percorrem a estrada em duas rodas, e que, também como nós, por vezes, precisam de ajuda. É que muitas vezes – e nisto nem se quer pensamos – o outro pode estar sem bateria no telemóvel para pedir socorro, e essa pode ser a nossa preciosa ajuda: emprestar o telemóvel para fazer a chamada. Por isso, não perceber nada de mecânica não é, de modo algum, pretexto para virar as costas. Nestas circunstâncias não há mesmo desculpa. Por isso é que, para mim, pensar neste tema é como levar um valente soco no estômago. Revejo-me num dos piores defeitos que o motociclista pode ter. Espero que com o caro leitor seja diferente. Eu pelo menos quero fazer um esforço por mudar.

EPÍLOGO
Talvez haja outros traços que definam de forma complementar, para o bem ou para o mal, o motociclista português. Falo dos motociclistas empenhados em acções de solidariedade social, de outros que promovem passeios interessantes (onde – aqui sim - se pode comungar do tal convívio que tem estado arredado dos grandes eventos), dos aceleras, dos “micro-matrículas”, dos minimalistas (aqueles que arrancam tudo da moto deixando ficar só o quadro, as rodas e o assento, e mesmo assim….), dos gabarolas, dos arruaceiros, dos condutores de fim-de-semana, dos condutores de fim-de-semana mas só no verão, dos que vão ver todos os jogos do Sport Lisboa e Benfica, mas que acham caro o bilhete para o Moto GP, preferindo ceder o lugar aos espanhóis, etc. Mas quem sabe, numa próxima oportunidade, eu talvez retome ao tema e acabe por adicionar novas cenas a esta peça. É uma questão de aguardar pela sequela.
© Todos os direitos do texto estão reservados para Hélder Dias da Silva
© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá! fui motociclista dos anos 50, 60...2000! o companheirismo sobre rodas depende muito de quando onde com quem!
há horas felizes e de uma forma irregular ao longo de 50 anos sobre 2 rodas (das 50cc às 1100cc) conheci grupos de gente muito aficionada e boa e divertida! tenho a sorte de ter um dos irmãos motard, para os 2 andarmos quando não havia mais parceiros! outro mano (o conhecido António Feio, o que menos andou de moto...o que mais caíu!)
abraço

carlos peres feio

http://podiamsermais.weblog.com.pt

Anónimo disse...

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