domingo, 26 de outubro de 2008

A INDIAN MAIS RÁPIDA DO MUNDO

Nº207 MOTOCICLISMO Julho 2008
Os sonhos, tal como as motos, também se tornam clássicos e míticos. Este, de transpor o recorde de velocidade, apesar de recorrente, não está ao alcance de qualquer um. É só para quem não tenha medo de arriscar.

Burt Munro é o homem sobre quem escrevemos. Um neo-zelandês sexagenário, com alguns hábitos de eremita, mas um fervoroso entusiasta dos motores e da velocidade. O seu principal hobby consistia em estar constantemente a modificar a Indian Scout dos anos 20 que tinha na garagem, competindo, de quando em vez, com outros racers de montadas mais modernas. Assim era para que pudesse cumprir um sonho maior: o de competir com a sua moto em Bonneville Salt Flats com o fito de superar recordes de velocidade. Apenas por paixão. A vida desta personagem real já serviu de inspiração para, pelo menos, dois livros. George Begg escreveu em 2002 “Burt Munro: Indian Legend Of Speed” e, Tim Hanna, em 2006, fez editar "One Good Run: The Legend of Burt Munro". Contudo, pelo meio, em 2005, surge o filme “The World’s Fastest Indian”, protagonizado por Anthony Hopkins e realizado por Roger Donaldson que, de uma forma livre, nos reconta a senda de Burt Munro para perseguir e realizar o seu sonho. É sobre esse registo que pretendemos dar conta neste texto.

Burt era um cidadão admirado na sua comunidade. Era afável, educado e respeitado, tendo sido, inclusivamente, distinguido pela publicação “Popular Mechanics”, em 1957, por a sua moto ser a mais veloz da Austrália e Nova Zelândia. Porém, ambicioso como era, distinções como essa só lhe aumentavam ainda mais o desejo de competir em Bonneville. Este projecto audacioso envolveu o dispêndio de todas as suas economias, fruto de uma vida inteira de trabalho.

Poucos dias antes da partida, é-lhe diagnosticado um grave problema de coração, sendo aconselhado pelo médico a deixar, pura e simplesmente, de competir. Burt não podia ter dado maior desprezo às palavras do médico. Uma vida pacata, de roupão e chinelos, sem a adrenalina das motos e da velocidade não era para si. Com o descrédito de muitos dos seus conhecidos, mas com o voto de confiança dos que lhe estavam mais próximos, Burt Munro e a Indian Scout embarcaram rumo aos Estados Unidos. Estávamos em 1962.

Depois das muitas peripécias que o filme nos apresenta, Burt Munro chega finalmente a Bonneville, mesmo a tempo de participar na famosa Speed Week. Bonneville fica no estado de Utah, e as Salt Flats são grandes superfícies secas que outrora haviam sido enormes lagos salinos. Esta, concretamente, tem cerca de 412km2, e é uma superfície tão plana que acompanha com precisão a curva do globo terrestre. Como local extenso e inóspito que é, tornou-se perfeito para atingir as grandes velocidades que Burt ambicionava.

Apesar da sua patologia clínica em nada o ajudar, contra todos os prognósticos, Burt estableceu o recorde de 288km/h na sua Indian com o motor de 850cc. Uma moto que nem travões de disco tinha, e cuja ciclística era um misto de foguetão artesanal com bicicleta a pedais. Mas sobreviveu! De tal maneira que no ano seguinte regressou e atingiu os 305.88km/h (não oficial). Em 1967, Burt estabeleceu o recorde mundial de 295.45km/h com a sua Indian Scout a atingir uma capacidade de 950cc. Este feito ainda hoje perdura.

De todas as vezes que Burt se deslocava a Bonneville, a sua “dream-team” era um grupo de entusiastas que o apoiava como podia e sabia. Os recursos eram escassos, e as necessidades eram muitas. Havia que gerir tudo com parcimónia. Compensava a boa vontade, que essa era de sobra. Como mais tarde confidenciou: «Na última vez em Los Angeles arranjei um furgão por 90 dólares. Era a sede da equipa Indian».

Burt faleceu em 1978, com 79 anos. O seu exemplo de coragem e tenacidade ficará para sempre. A Indian Scout, que foi sua durante 57 anos, e com a qual estabeleceu novos limites para a ousadia, está hoje na posse de um entusiasta de longa data em South Island.

INDIAN SCOUT
Engenheiro responsável pelo projecto: Charles Franklin
Produção: 1919-1930
Cilindrada: 596cc
Motor: bicilíndrico em V, 42º com válvulas laterais
Caixa: 3 velocidades
Transmissão: corrente
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© General Moto, by Hélder Dias da Silva 2008

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